sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Por que bombardeiros russos estão aterrissando na Venezuela



Envio de aeronaves com capacidade para transportar armas nucleares faz parte da estratégia de fortalecimento da aliança econômica-militar entre os dois países.

Por BBC - 12/12/2018 

A força aérea russa aterrissou nesta semana na Venezuela.

Quatro aeronaves – incluindo dois bombardeiros Tupolev 160 (Tu-160), com capacidade para transportar armas nucleares – pousaram na segunda-feira no Aeroporto Internacional de Maiquetía Simón Bolívar, nos arredores de Caracas – em uma demonstração de apoio da Rússia ao governo do presidente Nicolás Maduro.

O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, participou de um evento de boas-vindas às aeronaves e afirmou que elas fazem parte de exercícios de cooperação militar entre os dois países.

"Estamos nos preparando para defender a Venezuela até o último momento caso seja necessário."

"Vamos fazer isso com nossos amigos porque temos amigos no mundo que defendem relações respeitosas e de equilíbrio", completou.

No domingo, Maduro afirmou que havia uma tentativa "coordenada diretamente pela Casa Branca de perturbar a vida democrática na Venezuela e tentar dar um golpe de Estado contra o governo constitucional, democrático e livre do país" em andamento.

Padrino explicou que os aviões russos são "logísticos e bombardeiros" e acrescentou que ninguém deve se preocupar com a presença das aeronaves no país.

"Somos construtores da paz, não da guerra", declarou.

O embaixador da Rússia na Venezuela, Vladimir Zaemskiy, disse, por sua vez, que uma das áreas de cooperação entre os dois países é militar-técnica - e, segundo ele, "se desenvolveu de forma muito frutífera nos últimos anos".

Aliança Maduro-Putin

Nicolás Maduro e Vladimir Putin se cumprimentam em reunião em Moscou — Foto: Maxim Shemetov/Reuters

Nicolás Maduro e Vladimir Putin se cumprimentam em reunião em Moscou — Foto: Maxim Shemetov/Reuters

Um exercício militar conjunto foi anunciado poucos dias depois do encontro de Maduro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou. A reunião resultou na assinatura de contratos da ordem de US$ 6 bilhões em investimentos russos nas áreas de mineração e petróleo na Venezuela.

Os dois países são aliados próximos de longa data. E o governo de Maduro, pressionado pelas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia contra o que consideram violações de direitos humanos na Venezuela, quer reforçar esses laços – incluída, aí, a frente militar.

O embaixador da Rússia lembrou que a cooperação na área de defesa começou em 2005, quando Hugo Chávez era presidente.

Mas o plano de ambos os governos agora é aprofundar essa relação.

O ministro Padrino contou que Caracas aguarda a chegada de uma delegação russa com a qual devem discutir formas de fortalecer o arsenal das Forças Armadas venezuelanas – embora a difícil situação dos cofres públicos do país sul-americano, que vive a maior recessão de sua história, seja um obstáculo para a aquisição de armamentos mais sofisticados.

Em meio à grave crise econômica, política e social que a Venezuela atravessa, especialistas ouvidos pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, acreditam que a presença militar russa pode ter o objetivo de "desencorajar" terceiros a realizar "algum tipo de intervenção militar" no país.

Mas, além de beneficiar a Venezuela, essa aliança também é considerada vital para o governo Putin, de acordo com os analistas.

A anexação russa da Crimeia em 2014 foi duramente condenada por países ocidentais, gerando uma onda de sanções econômicas contra o país que continuam sendo renovadas.

A partir daquele momento, as relações entre a Rússia e os EUA e a União Europeia se deterioraram drasticamente. E é nesse contexto que a Venezuela ganha uma importância especial.

"(Moscou) está procurando países que ainda querem se relacionar com eles, e isso inclui a Venezuela", destaca Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia e pesquisador do centro de análises Brookings Institution.

"O que o Kremlin quer é passar a imagem de uma Rússia que não está isolada, quando na verdade está."

Ajudar econômica e militarmente a Venezuela - um dos poucos países que apoiaram a ação russa na Crimeia – serve para sustentar que "a Rússia tem conexões ao redor do mundo".

O editor do serviço russo da BBC, Famil Ismailov, concorda e destaca outra vantagem para Putin ao apoiar Caracas: a imagem que pode vender dentro do país.

"É muito importante mostrar ao público interno que, apesar das sanções, 

Um conto chinês

Monica De Bolle - O Estado de S.Paulo

Apesar da queda da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar

Quando se trata da China, o que se destaca na América Latina são os lados positivos de relação por vezes tão disparatada quanto a cena de abertura do filme de Sebastián Borensztein: uma vaca cai do céu matando uma jovem – após a cena inicial, lê-se “baseado em fatos reais”. Os fatos reais geralmente destacados são a maior integração comercial entre a China e a região, a realidade de que a China já ultrapassa os EUA – em alguns casos – no peso que tem na América Latina, os volumosos investimentos chineses. Segundo dados compilados pelo Inter-American Dialogue, o banco de desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB) e o China Ex-Im Bank, duas das maiores instituições financeiras do país, têm sido responsáveis pelo envio de recursos para conjunto seleto de países desde 2005. São eles: Argentina, Brasil, Equador e Venezuela.

Do que é possível saber – transparência não é o forte dos investimentos chineses – a China fez 17 empréstimos para a Venezuela, totalizando cerca de US$ 63 bilhões. Para o Brasil, foram 12 empréstimos no montante de US$ 42 bilhões. Para a Argentina, US$ 18 bilhões por meio de 11 empréstimos. Os dados provavelmente subestimam a presença do investimento chinês na região, sobretudo na Venezuela, onde os arranjos entre os dois governos estão encobertos por véu de mistério.

O que se sabe é que a China, transacional e pragmática, não está mais dando dinheiro ao regime de Nicolás Maduro. Ao contrário, os chineses andam mais preocupados em receber o que lhes é devido, seja na forma de pagamentos diretos, seja por meio de barris de petróleo. Apesar da queda sistemática da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar. O PIB em queda livre e a hiperinflação que engoliu a Venezuela não prenunciam o fim da ditadura.

Mas este não é mais um artigo sobre a Venezuela. Este é um artigo sobre a atuação da China na Venezuela para além do comércio, dos investimentos e das transações opacas entre o país asiático e a PDVSA, a empresa de petróleo venezuelana. Dia desses, assisti a um dos vídeos mais perturbadores que já havia visto sobre a atuação dos chineses na Venezuela. Tratava-se de uma reportagem investigativa do New York Times sobre o que a China anda fazendo na região. Intitulado “O Equipamento Antiprotesto que os Déspotas Amam” (“The Anti-Protest Gear that Despots Love”) e disponível no YouTube, a reportagem mostra como os imensos protestos que tomaram as ruas de Caracas em abril e maio de 2017 foram eliminados. Reparem: não há mais protestos daquela magnitude desde então, ainda que a situação de penúria, miséria, tragédia em que vive a população só tenha piorado. Por quê?

Norinco, a empresa estatal chinesa especializada em equipamentos militares, vendeu para o governo Maduro tanques e veículos desenhados para montar barreiras e arremessar mísseis de gás lacrimogêneo e canhões de água nas multidões. As mortes – muitas não reportadas – e os milhares de feridos nos protestos do ano passado resultaram do uso do aparato antiprotestos fabricado e vendido pelos chineses. O sumiço das multidões desde então deve-se ao medo de ser vítima de um sofisticado equipamento para suprimir demonstrações legítimas e pacíficas. Como soube disso? Não por meio dos jornais, ou por ampla divulgação da reportagem do New York Times pela mídia. Soube diretamente de um jovem político venezuelano hoje exilado aqui em Washington que teve a sorte de escapar – pela fronteira entre o Brasil e a Venezuela – das garras de Maduro. Ele estava lá, nos protestos de 2017. Enfrentou os tanques e foi derrotado por eles.


Esse é apenas um dos relatos chocantes sobre a atuação da China na Venezuela. O outro diz respeito à empresa de tecnologia ZTE, alvo de sanções dos EUA, que vendeu para Maduro os chips da nova carteira de identidade anunciada em novembro. Para ter acesso a medicamentos, comida, aposentadorias, venezuelanos têm de adquirir a nova carteira, cuja tecnologia permite que cidadãos sejam rastreados e monitorados todo o tempo pela ditadura homicida. Qualquer semelhança com Orwell é mais do que mera coincidência. É a implantação da mais perversa distopia debaixo dos narizes de todos. Onde estão as denúncias?


-------------------
* Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

"PSL é frágil e incapaz de assegurar sustentação política"

Entrevista - "PSL é frágil e incapaz de assegurar sustentação política"

Magna Inácio: "Bancadas temáticas não reúnem condições para formação de maiorias estáveis no contexto brasileiro"

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Jair Bolsonaro definiu seus ministérios de maneira errática e oscilante, sem fazer um estudo aprofundado das estruturas burocráticas da máquina do Estado, opina a cientista política Magna Inácio, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, especializada em estudos sobre coalizões de governo.

Antes mesmo de o PSL, o partido do presidente, explicitar suas divisões internas, a professora afirmou, em entrevista ao Valor, que o partido de Bolsonaro é extremamente frágil e incapaz de lhe assegurar sustentação política no Congresso. Além de inexperientes, a maioria dos parlamentares "foram eleitos, em boa medida, por serem pessoas que tinham reputações ou visibilidade pessoal, então são pessoas que não vão ceder facilmente a qualquer pressão do governo se forem distintas daquelas que elas querem votar. É um partido que, embora grande, terá muito mais dificuldade para ter uma atuação coordenada e disciplinada dentro do Congresso."

Esta fragilidade talvez explique o fato de Bolsonaro ter feito um desenho de governo totalmente fechado, sem abrir negociações com partidos. Para a professora, não se sabe como o papel de liderança de Bolsonaro vai funcionar neste modelo. Ela crê, ainda, que a sucessão no Congresso vai ser fortemente influenciada pelos entes federativos, que ficaram sem espaço e sem interlocução no futuro governo, e buscarão, no Legislativo, um contraponto. 

Veja os principais trechos da entrevista:

Valor: Os ministérios do futuro governo foram definidos sem observância da composição partidária. O que se pode esperar desta coalizão?

Magna Inácio: O grupo predominante é egresso da área militar; há o grupo de tecnocratas com experiências em decisões políticas, como consultores do Legislativo e membros do governo Temer; e um grupo, bem menor, formado por políticos. Há dois elementos fundamentais para pensar a estratégia que esse governo vai assumir. Um é a estratégia de redesenho da própria estrutura de governo, com a criação de dois superministérios (Economia e Justiça). Os dois vão atuar com centralização decisória muito grande, pelas áreas que vão aglutinar, e outros ministérios que tiveram sua conformação redesenhada. Mudanças, de estruturas bastante consolidadas, com burocracias antigas e institucionalizadas, como o Ministério do Trabalho, requerem conhecimento profundo para que se possa pensar num mínimo de coerência interna e capacidade de articulação horizontal entre ministérios. O que permanece ainda como interrogação é quais são os objetivos do governo acerca desta reorganização.

Valor: Há indicativos de que não houve um estudo profundo deste redesenho, já que foram inúmeros recuos, vaivém, dúvidas?

Magna: O processo, como tem ocorrido, mostra que não se trata de uma proposta desenhada com base no conhecimento da máquina administrativa. Inclusive este processo de idas e vindas de alguns ministérios, a síndrome do "resisto ou não resisto". Como foi o caso da Funai, uma estrutura que tem importância política fundamental. Essa oscilação na montagem da estrutura de governo sugere um processo que está sendo pensando na transição, e com bastante incerteza da própria equipe.

Valor: O objetivo da restruturação parece ser o enxugamento da máquina. Quais seriam as consequências de se montar um ministério sem estudos detalhados?

Magna: O processo de transição errático e oscilante confirma que é um plano de governo que está sendo experimentado neste momento como ensaio e erro. Estamos a estratégia de centralizar decisões em algumas áreas e vincular a realização de certos objetivos de governo à gestão de pessoas muito leais e muito próximas àquilo que o governo quer ver aprovado, que são os casos da Economia, Justiça, e os postos dos generais da reserva próximos ao presidente. É o que a gente chama de politização, mas não no sentido de partidarização. É escolher pessoas com base na lealdade ou proximidade de posições que o governo defende. A supercentralização decisória na área da economia não pode ser dissociada da confiança e expectativas depositadas na gestão do Paulo Guedes. É a expectativa de que a pessoa tenha a capacidade excepcional de fazer funcionar esta estrutura e garantir estes objetivos. É uma dependência muito maior de pessoas do que de uma arquitetura institucional que indique coerência interna, clareza sobre como será feita a coordenação horizontal no governo.

"Como Bolsonaro vai exercer o papel de líder neste governo? E como o desenho do gabinete dará sustentação a isso?"

Valor: Uma das variáveis da coalizão é a liderança do presidente. Bolsonaro terá dois superministros, Guedes e Moro. Há riscos?

Magna: Não me parece um desenho de presidência capaz de promover essa liderança da figura presidencial. Coordenar estes ministérios, manter o controle destes ministros e alinhar decisões tomadas nestes ministérios com as outras áreas e políticas requer capacidade institucional da presidência para fazer monitoramento, o que este governo, até então, não sinaliza. Haverá 4 unidades montadas [no Palácio do Planalto] para apoiar as relações com o Congresso, os Estados, e dar apoio direto ao Presidência. É um presidente que não tem experiência administrativa e não vem com conhecimento sobre o Executivo. Me parece uma posição bastante frágil para exercer a coordenação destes superministérios e manter a liderança presidencial do gabinete.

Valor: Apesar de alguns acenos partidários, ao PSL, DEM e MDB, a decisão de não negociar com partidos trará consequências?

Magna: Bolsonaro nunca foi uma liderança dentro do Congresso, era um parlamentar do baixo clero. Haveria, de certa forma, um risco muito grande de abrir negociação com os partidos, num primeiro momento, pela fragilidade do partido presidencial. O PSL tem quase a sua maioria formada por novatos. Não têm uma maioria com experiência parlamentar para dar, de fato, sustentação ao presidente. Esse movimento do Bolsonaro, de certa forma, indica a percepção de que negociar de imediato com partidos poderia fragilizar ainda mais sua posição no controle do governo. Então ele faz o movimento de fechar esse processo de negociação, de manter a mesa de negociação muito restrita a seus assessores mais leais. Mas em nenhum momento ele desconsidera a necessidade de fazer isso [negociar com partidos]. Mais do que um modelo de coalizão é uma estratégia de governo outsider, com uma base parlamentar frágil. Trazer o DEM, o PP, PSB, seria mais difícil para o Bolsonaro, num primeiro momento, manter o controle sobre o governo que dali sairia.

Valor: Bolsonaro associa a formação de um governo de coalizão a corrupção e ineficiência. Essa retórica antiestablishment dificulta a prática política, na sua opinião?

Magna: Esse tipo de afirmação claramente reforça e reduz o valor da negociação com os partidos e fortalece a posição do governo na negociação com Congresso e bancadas. Essa narrativa de que governos de coalizão decorrem sempre em corrupção não encontra sustentação nem na experiência brasileira e nem em experiências internacionais. O elemento mais grave é a desvalorização da função representativa do Congresso. É importante enfatizar que o presidente, no que tange às suas responsabilidades, é capaz de estruturar esta relação de forma mais ou menos programática, mais ou menos clientelista, mais ou menos populista. O presidente pode fazer esta negociação numa direção em que valorize a discussão de políticas públicas e de programas.

Valor: A influência das bancadas temáticas (evangélica e ruralista) não parece ter sido tão preponderante como se imaginava na formação de ministérios. Prevê ingerência destes setores no futuro governo?

Magna: É uma estratégia fadada ao insucesso. Bancadas temáticas não reúnem condições para formação de maiorias estáveis e maiorias de governo no contexto brasileiro. A gente tem uma estrutura, tanto da Câmara, quanto no Senado, que fortalece e depende da atuação dos partidos. As bancadas temáticas existem no Brasil até como uma reação a essa força muito grande dos partidos, para defender algumas políticas ou algumas áreas em que há discordâncias entre os partidos e proximidades entre parlamentares de diferentes siglas. As bancadas temáticas não reúnem capacidade de produzir votos disciplinados em relação às áreas que o governo terá que lidar. Mas tudo isso é a estratégia de desvalorização dos partidos, de apontar nova forma de relação com o Congresso, mas ele, como parlamentar, certamente sabe que isso não é suficiente para ter uma base estável. Formação de maiorias adocs, pontuais, gera, normalmente, um custo muito alto de coordenação da base política do governo. Uma administração que se inicia com uma agenda de reformas vastas, com expectativa muito grande dos eleitores, com esse tipo de coordenação com o Congresso, de coalizões pontuais, é um grande risco.

Valor: Diante da alta fragmentação partidária e da fragilidade do PSL, o que podemos esperar da briga por comissões no Congresso?

Magna: O Congresso, principalmente a Câmara, tem ampliado a sua influência na produção da legislação. Temos um indicador que é bastante tradicional, que é a dominância legislativa: do conjunto de leis aprovadas, quantas são de origem do Executivo e quantas são do Legislativo. Teoricamente, nas coalizões brasileiras desde os anos 90, o patamar de participação do Executivo na produção de leis sempre foi muito alto, em torno de 70%, 75%, 80%. Nos últimos anos, essa participação do Executivo tem se reduzido. O Legislativo tem conseguido aprovar um número maior de leis. Alguns, nos últimos anos, atribuíram isso a posturas de chantagem e retaliação ao governo Dilma, que seria a "rebelião Cunha". Mas outros estudos já mostram que se trata de um processo mais profundo, de mudanças, em que o Legislativo, enquanto instituição, está aumentando a produção na participação legal. E isso passa pelo controle destas estruturas, não só as presidências [das duas Casas], mas as comissões, relatorias, as pautas de comissões econômicas e de constituição e justiça que têm o poder de "matar as leis" se não estiverem de acordo com a Constituição ou se propuserem despesas não sustentáveis. Essa nova legislatura vai adotar estratégias claras de fortalecimento de sua capacidade de negociação com o Executivo, que está refratário a negociar com bases partidárias. Comissões são fundamentais.

"A coalizão do Bolsonaro é basicamente Sul-Sudeste. Não há espaço de negociação com os Estados e municípios"

Valor: Levando-se em conta a inexperiência desta equipe de governo, como você ressaltou, o grau de vulnerabilidade do governo no Congresso pode ser alto?

Magna: Sim, porque para além de qual vai ser o peso dos partidos dentro do governo, a relação com o Congresso requer monitoramento quase que diário, capacidade de negociar, definição de projetos que entram na pauta. E isso requer experiência. Algo que foi muito celebrado e comemorado, que foi o tamanho que o PSL saiu das urnas, é uma visão ingênua que não considera os problemas deste partido de assegurar um comportamento disciplinado. São parlamentares sem experiência parlamentar prévia. Foram eleitos, em boa medida, por serem pessoas que tinham reputações ou visibilidade pessoal, então são pessoas que não vão ceder facilmente a qualquer pressão do governo se forem distintas daquelas que elas querem votar. É um partido que, embora grande, terá muito mais dificuldade para ter uma atuação coordenada e disciplinada dentro do Congresso. Certamente haverá muitos conflitos internos, muitas disputas de poder porque é um momento inicial de formação deste grupo parlamentar. Já vimos inclusive vários destes parlamentares demonstrando o desejo de disputar a Presidência da Câmara. A dinâmica dentro do PSL certamente vai dificultar muito a capacidade do governo de fazer frente aos movimentos dos outros partidos, que têm lideranças experientes. Esses partidos têm capacidade muito maior de usar isso a seu favor, inclusive para controlar posições [comissões]. Um aspecto central será a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

Valor: O que se pode esperar desta sucessão no Congresso?

Magna: Não haverá adesismo, movimentos fortes de apoio imediato ao governo. Os partidos vão dar um tempo, vão mapear esse terreno antes de tomarem posições mais definitivas. E tanto a Câmara quanto o Senado são estruturas super presidencialistas, que fortalecem muito o papel do presidente destas Casas como um elemento organizador, não só pela autoridade interna, mas na relação com o Congresso. Acertadamente o Bolsonaro sinalizou que não vai assumir posição direta e nem reivindicar para o PSL a presidência das Casas, dando um sinal de que reconhecem a posição frágil e a necessidade de garantir que esses espaços sejam mantidos pelos maiores partidos, com os quais ele vai ter que negociar. Os partidos tendem a apoiar candidatos que tenham perfil mais moderado, com alguma proximidade, do ponto de vista de posições, com o governo. Não há espaço para um perfil muito distante do governo. É importante que seja um nome moderado, com capacidade de negociar e se aproximar do governo e manter uma relação institucional com o Executivo. Certamente se fortalecem os nomes que estão sobre a mesa, como o do Rodrigo Maia. No caso do Senado, a oposição e os independentes estão muito mais fortes. Isto pode significar problemas concretos. Há um outro elemento de política de coalizão, nem sempre destacado, que é o fato de que a coalizão também precisa abrir espaço para negociações federativas, com governadores e prefeitos. A coalizão do Bolsonaro é basicamente Sul-Sudeste, com uma concentração sem precedentes de ministros do Rio Grande do Sul. Uma concentração bastante arriscada à medida que não há, por via de ministérios, este espaço de negociação com Estados e municípios. Neste sentido, a Câmara e o Senado vão ter importância adicional para dar vazão a este tipo de expectativa e de pressão que virá das unidades federativas. E há expectativa de explosão fiscal e paralisia nos Estados. A eleição para as presidências da Câmara e do Senado não será um processo em que estará em jogo apenas os interesses dos partidos. Essa vazão de interesses federativos vai contaminar o processo.

Valor: Que perspectiva vê para políticas públicas neste governo, considerando as variáveis do presidencialismo de coalizão?

Magna: Em algumas áreas de políticas públicas, que foram pontos importantes na agenda do candidato, na área de educação, meio ambiente, econômica, devem ser apresentadas alterações significativas. Algo menos considerado no Brasil, mas que tem mostrado cada vez mais relevância, é que a ação unilateral do presidente não é realizada só por medidas provisórias. É feita principalmente por atos administrativos. O presidente pode fazer muitas coisas por meio de atos presidenciais e decretos normativos dos ministérios. Não é à toa que tivemos dois presidentes investigados pelo uso de decreto presidencial. O impeachment da Dilma foi baseado em três decretos deste tipo. O Temer é investigado pelo decreto dos Portos. É possível o presidente tomar muitas decisões e fazer alterações nas políticas públicas utilizando estes recursos, que são próprios do objetivo. E pode fazer isso principalmente com o objetivo de evitar embates ou contornar derrotas. Há espaço para o presidente tomar medidas que atendam as expectativas dos eleitores, que sinalizem mudanças de políticas públicas, sem que se faça isso pelo Congresso. Há boas possibilidades de uma resistência forte por parte das burocracias em consequência de deslocamentos de algumas delas para outras áreas (ex: Receita Federal e órgãos da área econômica). Outra forma de resistência tem a ver com discordância e percepção de que as políticas do governo não são as melhores e nem adequadas.

Valor: O Super Ministério da Economia terá seis secretarias.

Magna: É, nós já tivemos uma experiência anterior que não funcionou, que foi o tripé da economia sob a gestão da Zélia Cardoso de Mello. Esta concentração de poder decisório e capacidade decisória numa estrutura como essa requer capacidade de monitoramento, acompanhamento e coordenação que não é trivial.

Valor: Essa tarefa de monitoramento e coordenação é exclusiva do presidente da República?

Magna: Desde Fernando Henrique Cardoso, os presidentes se apoiam em alguns ministérios para coordenar todo gabinete, e normalmente são os ministérios da área econômica. A forma de controle, principalmente dos partidos, é pela via orçamentária. Os ministérios do Planejamento e da Fazenda sempre têm esse papel porque eles põem filtros importantes na tomada de decisão orçamentária, distribuição de recursos, viabilização ou não de tarefas executadas por outros ministérios. O que preocupa neste formato do Bolsonaro é que de um lado há essa concentração muito forte de alguns ministérios sem, até o momento, uma clareza de como o próprio presidente irá se relacionar com eles e mantê-los sob controle. Essa fala do Bolsonaro, de que ele delegou 100%, deu carta-branca, esse nível de delegação de poder é sempre o que permite ao presidente construir um Executivo coordenado. Ele tem que delegar poder para a estrutura da máquina funcionar, mas não ao ponto de ele perder a capacidade de exercer o controle e, principalmente, de manter esses assessores e ministros alinhados com o que deve ser seu programa de governo.

sábado, 10 de novembro de 2018

Leniência levou 18 estatais a ampliar folha em 124%

Editorial | O Globo
É inaceitável sustentar empresas públicas que pagam bônus sobre prejuízos acumulados

Depois de privatizar quatro subsidiárias da Eletrobras, ainda resta ao governo federal um acervo de 138 empresas estatais ativas. Nos estados e municípios, existem outras 250. Se nas empresas federais os sistemas de controle interno eram quase inexistentes, como está demonstrado nos processos da Operação Lava-Jato, não é preciso esforço para imaginar como funciona a maioria das estaduais e municipais.

Em junho, o Ministério do Planejamento contou 505 mil empregados nesse conjunto de 138 estatais federais. O censo não inclui, por óbvio, os chamados terceirizados. O quadro geral mostra que houve aumento constante nas contratações durante as administrações de Lula e Dilma Rousseff. O ex-presidente entregou o governo com um efetivo 14% maior nas estatais. Com Dilma, houve um acréscimo de 11,4%, chegando-se ao recorde de 555 mil funcionários.

É, praticamente, uma folha paralela à da União. Sob Michel Temer, houve redução de cerca de 10%, para 505 mil, como efeito de algumas privatizações, incentivos e aposentadorias. Porém, num exame mais detalhado, percebe-se que parte significativa do aumento de pessoal ocorreu num grupo especial de 18 estatais federais. Elas dependem de repasses do Tesouro para abrir as portas.

O número de empregados nessas empresas cresceu nada menos que 124,4% nos últimos 12 anos e seis meses. Eram 34,6 mil em 2006. Agora são 77,6 mil. O salto (82,7%) aconteceu sob Dilma. Muitas dessas estatais surgiram de iniciativas delirantes como o projeto do trem-bala, logo descarrilado. Permanecem aí, mesmo sem utilidade à sociedade que paga as contas.

No outro grupo, o das empresas federais que não dependem do Tesouro, destaca-se o esforço para resgate da Petrobras e Caixa, degradadas no longo período de loteamento entre guichês partidários. São visíveis as resistências ao saneamento da Casa da Moeda e da Eletrobras, mas isso tende a ser superado no médio prazo pelas inevitáveis privatizações.

Nesse contexto, é notável a resiliência de forças políticas e corporativas que lucram com a desgastada bandeira anti-privatista. No grupo Eletrobras, por exemplo, durante anos, uma miríade de entidades sindicais foi beneficiária dos pagamentos de bônus de participação nos lucros, mesmo enquanto os prejuízos se acumulavam (já superam R$ 25 bilhões). A Controladoria-Geral da União cobra a devolução do dinheiro.

O problema não é ideológico, mas de racionalidade. É inaceitável para a sociedade sustentar empresas públicas que pagam bônus aos empregados sobre prejuízos acumulados. Privatização, liquidação, extinção, formação de “joint ventures” e abertura de capital deveriam estar no cardápio de opções para acabar com a leniência e reduzir esse acervo de quase 400 estatais da União, estados e municípios.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O presidente e a Amazônia


Desafio é fazer cumprir o Código Florestal e garantir a gestão das áreas já atribuídas
      
Evaristo de Miranda, doutor em Ecologia - 

07 Novembro 2018 

As eleições presidenciais trouxeram debates e polêmicas também sobre ocupação e preservação da Amazônia. Visões alarmistas denunciaram a iminente devastação florestal, o abandono das políticas de conservação e a agropecuária como vetor de devastação. Até a revista britânica The Economist vaticinou sobre o tema. Mas qual a situação efetiva da proteção e da preservação da vegetação nativa no bioma Amazônia? Qual o papel das políticas públicas na manutenção das florestas? Qual a parte do mundo rural na preservação?

Pesquisa recente da Embrapa traz respostas objetivas a essas indagações e aponta o real desafio amazônico do novo presidente da República.

A proteção da vegetação nativa - No Brasil, o bioma Amazônia ocupa cerca de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, praticamente a metade do País (49,4%). Ele engloba Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, além de parte de Mato Grosso, Maranhão e Tocantins.

As unidades de conservação de proteção integral, como estações ecológicas e parques nacionais, são 204 no bioma Amazônia e totalizam uma área superior a 76 milhões de hectares. Elas recobrem 18% do bioma, excluem a presença humana e não admitem nenhuma atividade produtiva. Reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável não fazem parte desse conjunto de proteção integral.

Também há 330 terras indígenas legalmente atribuídas no bioma Amazônia, sob a gestão da Funai. Elas totalizam quase 107 milhões de hectares e recobrem 25,4% do bioma.

Existem sobreposições entre as 534 áreas atribuídas a meio ambiente e povos indígenas. Descontadas as sobreposições, elas totalizam 171,5 milhões de hectares de áreas protegidas e 40,8% do bioma.

As áreas militares, cadastradas com florestas nacionais, totalizam cerca de 2,7 milhões de hectares e 0,6% do bioma Amazônia. No total, unidades de conservação integral, terras indígenas e áreas militares protegem hoje 174,2 milhões de hectares ou 41,4% do bioma.

A preservação da vegetação nativa - Até o advento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a contribuição dos agricultores, pecuaristas e extrativistas à preservação ambiental na Amazônia era subestimada e pouco conhecida. Criado e exigido pelo Código Florestal (Lei 12.651/12), esse registro eletrônico obrigatório tornou-se um relevante instrumento de planejamento agrícola e socioambiental.

Até agosto de 2018, no bioma Amazônia registraram-se no CAR mais de 468 mil imóveis rurais, incluindo reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável. A Embrapa Territorial analisou esse big data geocodificado. E mapeou com dez metros de detalhe a área dedicada à preservação da vegetação nativa em terras extrativistas e de agropecuária, em cada imóvel rural, município, microrregião, estado e no bioma (www.embrapa.br/car). Uma área total de 103,1 milhões de hectares está dedicada à preservação da vegetação nativa pelo mundo rural. Isso corresponde a 24,6% do bioma Amazônia e a 64% da área dos imóveis. Ou seja, o mundo rural preserva, em meio às suas atividades produtivas, um quarto do bioma Amazônia e dois terços de seus imóveis.

Um bioma protegido e preservado - Em resumo, as 534 áreas de proteção mais estrita (unidades de conservação integral e terras indígenas) totalizam 171,5 milhões de hectares e alcançam 40,8% do bioma Amazônia. Com as áreas militares essa porcentagem chega a 41,4%. Em mais de 468 mil imóveis rurais, pelos dados do CAR, as áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa totalizam 103,1 milhões de hectares ou 24,6% do bioma.

O total de áreas legalmente protegidas e preservadas, devida e detalhadamente mapeadas, é de 277,3 milhões de hectares, 66,1% ou dois terços da Amazônia. Para o mundo rural e para os órgãos governamentais, isso implica um grande custo operacional e patrimonial, ainda por calcular.

Sem descontar áreas urbanas e de mineração, cuja dimensão é muito pequena em relação ao total da região, existem ainda cerca de 83,8 milhões de hectares passíveis de ocupação no bioma Amazônia. Em sua maioria, são áreas inundáveis, superfícies hídricas do Rio Amazonas e terras pouco propícias ao extrativismo e à agropecuária, sem acesso logístico. Em boa parte, trata-se de terras devolutas.

O real desafio - Mesmo diante da hipótese muito pouco provável de uma futura ocupação integral dessas áreas pelo mundo rural, o Código Florestal já impõe o limite de 20% para uso e exploração (desmatamento legal). A área de reserva legal prevista para a vegetação nativa é de 80%. Assim, cerca de adicionais 67 milhões de hectares, ou 16% da região, já estão prévia e legalmente destinados à preservação, por exigência do Código Florestal.

O País já abriu mão de explorar e usar 82% do bioma Amazônia, com todas essas áreas legalmente destinadas à proteção e à preservação da vegetação nativa. Uma área maior do que a Índia! Esse fato precisa ser mais bem conhecido e reconhecido. Que outro país no mundo dedica 3,5 milhões de quilômetros quadrados à preservação? Tente alguém propor essa área em preservação aos Estados Unidos, ao Canadá, à Rússia ou à China. A proteção ambiental da Amazônia é um exemplo sem equivalente no planeta, em valores absolutos e relativos, como atestam documentos internacionais (IUCN, 2016. Protected Planet Reports).

O desafio do presidente Jair Bolsonaro não é criar mais áreas de conservação, mas, sim, fazer cumprir o Código Florestal e garantir a gestão das áreas já atribuídas, públicas e privadas. E encontrar meios de cobrar dos beneficiários, urbe et orbi, pelos serviços ambientais da preservação da nossa Amazônia. Manter a integridade desse imenso patrimônio natural, sobretudo em face de atividades ilegais, exige mais recursos e menos alarme.

*DOUTOR EM ECOLOGIA, EVARISTO DE MIRANDA É CHEFE-GERAL DA EMBRAPA TERRITORIAL


DA TRANSFERÊNCIA PACÍFICA DO PODER À SOCIEDADE PARA A SUA RECONQUISTA PELO PLEITO POPULAR.


ANTONIO CELENTE VIDEIRA
O paradoxo e a contradição estão em pauta no dia a dia. Vejam que, quando os militares entregaram o comando do País à elite civil, e aí enfatiza-se a classe política, em 1985,  fez de forma crédula e esperançosa. Esperava-se um entendimento nacional, apesar da natural eclosão de vieses ideológicos diferentes, coisa natural nas democracias.

Não se imaginava, portanto, que, a partir daquele ano (1985), iria se iniciar uma tênue resistência até culminar no acossamento raivoso aos que protagonizaram o usufruto, na legalidade, de cargos relevantes na República. Sim, isso é dito porque o retorno da classe política ao Poder deveu-se a decretação da anistia geral, ampla e irrestrita, e ao conseqüente consentimento da sua retomada às funções públicas. Os que alegam, principalmente para os mais jovens, que foi uma reconquista da democracia mentem e deturpam a verdade. Os chefes militares da época saíram de cena, por acreditarem na maturidade política daqueles que retornavam do exílio.

A partir desse momento, com maior ênfase no início dos anos 90,  o sentimento revanchista foi eclodindo, tornando-se cada vez mais consubstanciado e robustecido. À medida que os militares retornavam aos quartéis, preocupados com suas missões constitucionais, a perseguição aos mesmos se agigantava, com a decretação de atos, tolhendo-os a qualquer tipo de influência na administração do Estado.

Saem do segundo escalão do Governo, limitando-se ao comando das unidades militares, perdem o status de ministros, extinguindo-se os ministérios militares, para criar o Ministério da Defesa que ficaria sob a tutela de civis que, às vezes, desconheciam totalmente as liturgias da caserna. Comissões de Mortos e Desaparecidos, de Constituição e Justiça até culminar na Comissão da Verdade são estabelecidas, para sufocar e deprimir a moral daqueles que sempre estiveram e estão prontos a socorrer a nação, nos mais diversos tipos de missão, desde Defesa Nacional, passando por ações cívicas e chegando à manutenção da Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Na última década do século XX e na primeira década do século XXI, os militares brasileiros foram considerado vilões, tudo em decorrência de uma propaganda psicológica bem articulada, mas mentirosa, aliada ao aparelhamento do estado, principalmente nas universidades e nas redações dos jornais. A mudança curricular dos cursos das áreas humanas caracterizou deformação no pensar da juventude, levando-a tornar-se constituída de profissionais com olhares obtusos quanto ao nosso passado. Passou-se a conviver com ditos intelectuais, mas totalmente robotizados. Por exemplo, nomeou-se a revolução democrática de 1964 de golpe militar, governos revolucionários de ditadura, e outros adjetivos que se consagraram na literatura estudantil e na mídia profissional, propositalmente reescrita no fragor da vingança erudita.

Acontece que, com o passar dos anos, o Brasil foi se afundando, sua economia começou a entrar em putrefação, o desvio de recursos em benefício próprio alastrou-se, culminando em escândalos, como por exemplo, o mensalão e a lava jato. Aliado a isso, toda uma ideologia voltada para o desmerecimento de valores salutares da família, com o afrouxamento da justiça, estimulando assim desvios de condutas, com a progressiva violência urbana, se agigantou em nosso meio.

Esse cenário aviltante passou a ser a nova ordem estabelecida, sendo aceito por currículos escolares, tendo aquiescência, às vezes, de mandatários encastelados nas várias instituições. Preceitos religiosos passaram a ser questionados, surgindo assim agendas sociais que pisoteavam padrões e crenças arraigadas em um povo bom e ordeiro. Parecia que o coletivo comunitário nacional chafurdava.

Mas nem tudo estava perdido. Às vezes, do caos surge o equilíbrio, das trevas sai a luz, da descrença manifesta-se a esperança. O lançamento da candidatura à Presidência de JAIR MESSIAS BOLSONARO despertou, no início, preocupação nos ditos “progressistas”. Com o decorrer do tempo, BOLSONARO começou a atemorizar os protagonistas desse estado de coisas. Na verdade, com o crescimento da adesão da sua candidatura, grande parte das forças sociais sentia-se ameaçada em perder seu status, o que lhe tolheria outros avanços.

Particularmente, ao longo dos meus setenta anos de existência, nunca vi um cidadão ser perseguido e enxovalhado como foi o deputado BOLSONARO. Seus opositores, principalmente os partidos de esquerda, procuraram tudo que desabonasse sua conduta, a mídia, além de lhe negar espaço, procurou sempre desmerecer sua pessoa como homem público. A própria Justiça, constantemente, investigava seus ímpetos diante das agressões de seus opositores. Enfim, até a classe de artista e intelectuais procurou difamá-lo, qualificando-o de homofóbico, misógeno, racista, facista e outros “istas” , com o único propósito em destruir sua imagem como alguém que se situava fora do sistema. Aliás, opor-se ao “mecanismo” é tornar-se magnânimo de espírito.   

O que não se levou em conta por estes segmentos foi que o povo já não agüentava mais uma retórica que se iniciou há trinta anos, culminando nos últimos quinze anos com a administração petista. Não houve alternativa à sociedade brasileira pedir, de novo, a ajuda dos militares, já que os mesmos haviam socorrido a nação em abril de 1964, impedindo que o Brasil, naquela época, se tornasse o primeiro enclave comunista na América do Sul. Esse amparo seria através da vitória, pelo voto, do velho Capitão da reserva. Foi o bom combate, já que sem apoio da mídia, com a ausência de recursos financeiros, impossibilitado de sair para comícios e passeatas, por estar com a saúde abalada, em conseqüência do atentado a sua vida em Juiz de Fora, conseguiu vencer, e muito bem, o pleito democrático de 28 de outubro de 2018.

O triunfo democrático de BOLSONARO não deve ser encarado como uma simples vitória eleitoreira. Deve sim ser interpretado nas entrelinhas circunstanciais, em sua hermenêutica contextual, pois ele encarnou a vontade popular, na busca por reformas, além de, sobretudo, agradecer a proteção divina. No dia da aclamação das urnas, a prece pronunciada pelo senador MAGNO MALTA foi um hino sagrado ao Criador, ato inusitado e primeiro demonstrado por homens públicos na República brasileira. Na verdade, o êxito de BOLSONARO tornou-se  um fenômeno social, para não dizer uma revolução espiritual. Queira ou não os analistas políticos e sociólogos aceitarem, certamente, seus vaidosos diagnósticos, nos mais diversos e potentes canais televisivos, foram equivocados e eivados de burras conclusões.  

Por tudo isso, que o retorno de militares e civis de bem ao Poder, pelo voto, seja a bênção que há de alavancar a Pátria a patamares da justiça e da ordem.              

BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS.
acelente@gmail.com


ESTÁ AUTORIZADA A DIVULGAÇÃO PARA OUTROS CONTATOS

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Estudo indica que 16 Estados correm risco de insolvência


Relatório do Tesouro mostra que governos estaduais gastam mais com pessoal do que o permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal
         
Idiana Tomazelli e Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo 07 Novembro 2018

BRASÍLIA - Mais da metade dos Estados descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no ano passado ao estourar o limite de gastos com pessoal. O relatório divulgado ontem pelo Tesouro Nacional mostra que o problema vem se agravando nos últimos anos: em 2017, 16 Estados e o Distrito Federal extrapolaram as despesas com salários e aposentadorias. No anterior, foram nove Estados.

Por lei, as administrações não podem destinar mais de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) à folha de pessoal, o que coloca em risco as finanças públicas e aumenta o risco de insolvência. Os governadores eleitos terão de lidar com esse problema.

Ao destinar a maior parte da receita para pagar servidores, sobra cada vez menos para manter o funcionamento de serviços básicos que estão sob a responsabilidade dos Estados, como segurança e educação. “Se não forem revistos os parâmetros constitucionais atuais, há grande risco de ampliação das situações de insolvência nos próximos anos”, alerta o documento do Tesouro Nacional.

Em cinco Estados, o comprometimento com gastos de pessoal já ultrapassa os 75% da receita corrente líquida. Um deles é o Rio de Janeiro, que está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União, mas ainda enfrenta dificuldades para equilibrar suas contas. Com um histórico de reajustes salariais generosos antes de ingressar no programa de socorro federal, o governo fluminense destinou 81% da receita ao pagamento da folha no ano passado.

A situação mais crítica é do Rio Grande do Norte (86%), que no fim do ano passado pressionou o governo federal por uma medida provisória (MP) para repassar dinheiro ao Estado e ajudar no pagamento de salários dos servidores – o que seria ilegal. O Ministério da Fazenda barrou a medida. Minas, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul comprometeram quase 80% da receita com gastos com pessoal.



Maquiagem
Além de expor a fragilidade das contas estaduais, o documento ainda demonstra a maquiagem contábil feita pelos Estados para ficar artificialmente dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Apenas seis governos estaduais admitem em seus próprios dados que extrapolam a regra prevista em lei.

Os cálculos feitos pelo Tesouro Nacional contabilizam despesas que são deixadas de lado pelos Estados na tentativa de evitar as sanções da LRF para o caso de descumprimento do limite de gastos com pessoal. Muitos governos estaduais excluem das contas despensas com inativos ou auxílios, chancelados por resoluções dos Tribunais de Contas Estaduais (TCEs).

O Rio Grande do Sul, que pretende aderir ao Regime de Recuperação Fiscal para ter alívio na sua dívida e ter acesso a novos empréstimos, é um dos que ainda não reconhecem a maquiagem. Pelos dados do Estado, o comprometimento de receitas com pessoal está em 56%, abaixo do limite. O Estado está parcelando salários e já admite que não pagará o 13.º no prazo.

Há preocupação ainda porque em alguns casos a diferença entre o comprometimento admitido pelo Estado e o cálculo do Tesouro supera os 30 pontos porcentuais. É o caso do Rio Grande do Norte, que tem um comprometimento de 86% segundo o Tesouro (o maior entre os Estados), mas admite apenas 52%.

O alerta do Tesouro é para o fato de que hoje há muitas amarras que impedem a redução das despesas e, no futuro, não haverá paliativos. Mesmo que haja esforço de contenção de gastos pelas próximas gestões estaduais, a situação ainda será crítica porque o envelhecimento da população e o crescimento das aposentadorias elevarão as despesas com inativos de qualquer forma, aumentando o peso da folha.

De 2005 a 2016, o gasto per capita com servidores estaduais teve alta real média de 57%, sendo que em cinco Estados o avanço foi de mais de 80% acima da inflação. O resultado que se vê agora é o endividamento elevado de alguns Estados e uma folha de pessoal crescente e incompatível com seu volume normal de receitas.

Colapso
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas pondera que o relatório do Tesouro “não conta toda a história” da trajetória de endividamento dos Estados. “O Tesouro constata que os gastos com pessoal passaram do limite e deduz que o Estado está insolvente. Mas é preciso entender a causa para apontar um ‘caminho da salvação’.” Ele avalia que a principal fonte de problemas das folhas dos governos estaduais hoje está nos servidores aposentados e que os governadores eleitos devem, a partir do ano que vem, traçar estratégias para reverter os gastos crescentes.

Ana Carla Abrão Costa, que foi secretária da Fazenda de Goiás, lembra que os dados de despesa com pessoal dos Estados no ano passado aponta uma tendência que os economistas já vinham alertando. “É uma trajetória insustentável e que já estava delineada. Se os Estados não fizerem um ajuste, as despesas com pessoal vão consumir toda a receita. Eles estão a caminho do colapso dos serviços públicos.”

“Os gastos elevados com pessoal são um alerta. São despesas obrigatórias e de difícil redução. Para alguns Estados, em que a folha tem um peso maior, é ainda mais urgente, porque muitos estão em um processo acelerado de envelhecimento da população, o que vai pesar no futuro”, diz Fabio Klein, da Tendências.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Poucos que passaram pelo posto de ministro da Justiça 'sobreviveram' ao cargo

ANÁLISE: Brasília será um desafio para o juiz Sérgio Moro
Poucas pessoas que passaram pelo posto de ministro da Justiça podem se orgulhar de ter 'sobrevivido' ao cargo, tamanhas as dificuldades

     Marcelo de Moraes, O Estado de S.Paulo 02 Novembro 2018  

Dezenas de pessoas passaram pelo posto de ministro da Justiça. Poucas podem se orgulhar de ter “sobrevivido” ao cargo, tamanhas as dificuldades. No atual desenho, a pasta acabou sendo esvaziada, mas no governo de Jair Bolsonaro a Justiça voltará a ser um ministério forte, repleto de poderes. E de problemas sem-fim.

É esse desafio que espera por Sérgio Moro, quando sentar na cadeira de ministro, deixando para trás o papel de protagonista no combate à corrupção via Operação Lava Jato. Em Curitiba, o juiz tomou decisões duríssimas, como a condenação à cadeia do ex-presidente Lula. Mas o jogo em Brasília pode ser tão complexo quanto isso.

É importante primeiro saber qual será o tamanho do novo Ministério da Justiça. Se ficar com órgãos de combate à corrupção, como Coaf e CGU, por exemplo, Moro terá afinidade para administrar essas tarefas. Mas o juiz poderá encontrar outros ossos bem mais duros para roer à frente da pasta. Um exemplo do que o seu ministério poderá precisar abraçar: intervenção militar na segurança do Rio; conflitos com a imigração de venezuelanos na fronteira com Roraima; rebeliões em presídios; crescimento do crime organizado; comando da Polícia Federal; conflitos entre trabalhadores sem-terra e agricultores; conflitos indígenas. O que nunca faltou para a Justiça, em Brasília, foi problema.

Moro também traz na bagagem popularidade igual ou até superior à do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Seu status imediato é de superstar do novo governo. E, como se sabe, esse prestígio costuma provocar enorme ciumeira.

Para Bolsonaro, foi um movimento muito positivo conseguir levar para seu governo uma pessoa com tamanho apoio popular. Mas também deixa a relação entre os dois equilibrada em bases frágeis. Se Moro tomar alguma atitude que o presidente eleito não aprove, será criticado publicamente? Será demitido? Como será a reação popular a isso? E se Moro não concordar com algum gesto de Bolsonaro? Vai peitar o chefe? São dúvidas e desafios que Moro terá de enfrentar em Brasília, que está habituada a catapultar para a glória e para o esquecimento carreiras fulgurantes.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Bolsonaro promete ‘Nação grande, livre e próspera’. Mas como?

Eliane Cantanhêde- O Estado de S.Paulo

Mais do que as palavras, destacam-se os símbolos no primeiro pronunciamento do presidente eleito

O grande desafio a partir de agora é decifrar quem é, o que pretende e o que vai conseguir efetivamente fazer o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que quebra todos os paradigmas e foi eleito num dos maiores movimentos de renovação já vistos no País. Há uma esperança enorme, mas também muitos temores.

Após a vitória, Bolsonaro fez um apelo à pacificação de um País que sai profundamente dividido da eleição e se comprometeu com “a Constituição, a democracia e a liberdade”. Isso é importante não só para a Nação, mas para o próprio Bolsonaro, que chocava ao defender a ditadura e a tortura, mas deixa para trás a persona candidato e assume a de presidente eleito, contemporizador e pragmático como deve ser.

Mais do que as palavras, destacam-se no primeiro pronunciamento os símbolos. Ele desdenhou a TV e optou pelas redes sociais, tão fundamentais para a construção de sua candidatura e a vitória. E mais: a simplicidade dele e de sua mulher, a Bíblia e a Constituição sobre a mesa, o broche de deputado federal na lapela do paletó, sem gravata.

Além de símbolos, porém, Bolsonaro precisa finalmente mostrar a que veio, detalhar um programa econômico sólido, definir prioridades e metas. Nada disso ficou claro durante a campanha, mas acabou o tempo. Não há alternativa: é mostrar ou mostrar qual será o governo, e com quem.

Para começar, tem de deixar claro qual a autonomia do economista Paulo Guedes, a dimensão e a forma do ajuste fiscal e do enxugamento do Estado. E, afinal, onde se encaixa a fundamental preocupação social?

Bolsonaro não ganhou de goleada, mas saiu das urnas com enorme legitimidade e corre um risco: qualquer erro será amplificado proporcionalmente ao tamanho da expectativa gerada. Foram muitas as promessas, serão igualmente muitas as cobranças. E, além de encarnar o “novo”, os valores da família, da ordem e do progresso, muito pouco, praticamente nada, se sabe do capitão que chegou à Presidência da República.

Todos os candidatos, todos os cidadãos querem e sonham transformar o Brasil “numa grande, livre e próspera Nação”, como ele anunciou ontem. O problema não é querer, é saber como e em quanto tempo fazer.

Agora, a vida real vai começar

José Casado - O Globo

Futuro presidente e governadores precisam construir uma aliança parlamentar sólida e majoritária a partir de fragmentos políticos

Hoje, a realidade bate à porta de Jair Bolsonaro e dos 14 governadores estaduais eleitos ontem. Eles vão descobrir que o eleitorado entregou o governo, mas sonegou-lhes o poder. São coisas diferentes, interdependentes. Agora, precisam batalhar para conquistá-lo.

Para começar, precisam negociar maiorias no Legislativo, porque sem elas não governam. E o problema é que o eleitorado usou o voto para implodir o sistema partidário. Levou 30 partidos para a Câmara, plantou 21 no Senado e 31 nas assembleias estaduais.

O resultado foi o fracionamento do poder político. Exemplo: é do PT a maior bancada na Câmara, com 56 deputados que detêm apenas 11% dos votos num plenário de 513 parlamentares. No Senado, o MDB ganhou a primazia com 12 vagas, o equivalente a 15% do 81senadores.

Essa lógica se reproduziu nos estados e no Distrito Federal, onde foram eleitos 1.059 deputados. Os resultados dos partidos, individualmente, são modestos.

O MDB ficou com o maior agrupamento parlamentar estadual: 93 deputados, ou 8,7% do total — sua maior bancada está Santa Catarina (22,5% do plenário).

Já o PT ficou em segundo lugar na disputa pelos legislativos estaduais, com 85 deputados, ou 8% do total nacional. Seu melhor desempenho foi na Bahia, onde conseguiu uma fatia de 16% da assembleia.

Sem construir uma aliança parlamentar sólida e majoritária a partir desses fragmentos políticos, o futuro presidente e os governadores se arriscam a uma rápida erosão da legitimidade alentada nas urnas.

Bolsonaro, ontem, deixou entrever sua inquietação: “Todos os compromissos assumidos serão cumpridos com as mais variadas bancadas” — fez questão de dizer no primeiro discurso da vitória. Ele saiu das urnas com 57,6 milhões de votos a favor. Foi rejeitado por 46,8 milhões de eleitores.

Como os governadores, o futuro presidente terá de encontrar formas inovadoras para acertos com esse universo partidário em desencanto, ou em decomposição, porque o modo convencional de composição de interesses conduziu a essa eleição balizada pela desconfiança, na qual predominou o voto de exclusão.

Sem isso, será impossível governar, aprovar leis e administrar orçamentos que, na média, preveem R$ 130 em despesas fixas para cada R$ 100 de receita.

A partir de 1º de janeiro, presidente e governadores estarão diante de outra fase da vida real, mais dura, porque apoio eleitoral não é perene e precisa ser revalidado acada decisão.

Ao governante que perder o rumo, principalmente na recuperação da economia, só restará a alternativa de um telefonema aos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff, para perguntar: “Onde foi que vocês erraram?”


Bolsonaro não terá cheque em branco

Merval Pereira: - O Globo

Ele interpretou o sentimento antipetista, mas não deve se enganar: muitos dos eleitores que o escolheram  não são dele 

A vitória expressiva de Jair Bolsonaro indica que as idas e vindas das pesquisas eleitorais captaram a repulsa a seu discurso exaltado a manifestantes na Avenida Paulista no domingo passado, mas não o recuo do presidente eleito, que chegou a perder votos na reta final devido a seu extremismo, mas os recuperou em boa medida ao se mostrar sensível à reação da opinião pública.

Foi uma vitória expressiva, mas não a ponto de dar um cheque em branco ao presidente eleito. Lula teve mais votos que Bolsonaro na eleição de 2006 _ e conquistou os dois mandatos com vantagem sobre o adversário superior a 20 milhões de votos. Considerando-se dono do país, inventou Dilma Rousseff e um esquema político ilegal para perpetuar seu grupo no poder.

O resultado é que falou mais alto, ao final, o sentimento antipetista que tomou conta da população depois que o saldo dos 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores foi uma recessão brutal e o aparelhamento dos órgãos públicos para imposição ideológica de suas verdades, a corrupção para financiar a permanência no poder e alimentar a ganância de seus principais líderes.

Coube a Bolsonaro interpretar esse sentimento latente na sociedade brasileira, mas ele não deve se enganar: muitos dos eleitores que o escolheram não são dele, e estarão a partir de hoje em “apoio crítico”, como virou moda dizer, ou mesmo na oposição.

O fato é que a retórica radicalizada de Bolsonaro não corresponde ao desejo da maioria, e o novo presidente terá que ter sensibilidade para se enquadrar dentro do que a maioria do país quer, um governo reformista que, a partir da recuperação da economia, saiba unir os brasileiros sob uma orientação que pode ser conservadora nos costumes, mas nunca repressora ou autoritária.

Muito da derrocada do PT se deve à corrupção disseminada, aos hábitos e costumes políticos que foram exacerbados pelos governos petistas como fórmula para a cooptação do apoio político, mas também pelo teor autoritário de muitas de suas iniciativas, que continuam em seu programa de governo.

Se a maioria não quer que nossa bandeira seja vermelha, como diz o mantra bolsonariano, também não quer um país dominado por um conservadorismo rastaquera que leve a retrocessos em setores em que já estamos conectados com os avanços civilizatórios das sociedades modernas, nos emancipamos como cidadãos livres.

Uma virada à direita

FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 29/10

Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. Mas dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo


A roda rodou. Já vi muitos presidentes, subindo e descendo a rampa. Um deles descendo ao fundo da terra, Tancredo. Collor chegando e saindo de nariz erguido. Lula com tantas promessas.

Itamar, encontrei antes da posse, no Hotel Sheraton. Ele ainda não era o presidente, e eu tentava convencê-lo de que seria. Conheci Itamar desde a Rua Halfeld, a mesma onde Bolsonaro tomou a facada. Era um homem decente, tomava religiosamente uma sopinha ao entardecer. Ousou assinar o Plano Real.

Agora, sobe Jair Bolsonaro. Não foi uma rodada simples, dessas em que PT e PSDB se revezam. Foi mais ampla, como foi a de 64, só que agora sem Guerra Fria, num contexto democrático.

Senti a ascensão de Jair Bolsonaro. Impossível ignorá-la correndo o Brasil, observando as redes sociais. Quando levou a facada em Juiz de Fora, pensei: facada e tiro, quando não matam, elegem.

Se nossa cultura produziu essa certeza, isso quer dizer que a condenação da violência política tende a ser consensual. O presidente eleito deveria encarnar e expressar essa condenação. Não é um conselho, apenas uma leitura do Brasil. Os últimos dias de campanha foram ameaçadores. Prisão, desterro, banir da face da terra. Alta tensão. As universidades podem ser invadidas por ideias, não pela polícia.

O novo governo tem uma agenda brava, e só me resta usar esses meses de transição para estudar melhor e criticá-la com fundamento.

Outro campo de estudo se abre. A frase de Mano Brown — é preciso encontrar o povo — foi endereçada ao PT. Mas não vale também para o sistema partidário, a academia, a mídia, os especialistas? Como reconciliá-los com o homem comum?

Minha atitude com Bolsonaro será a que sempre adotei nos anos de convivência: respeito ao argumentar nos pontos divergentes e estímulo aos seus movimentos positivos. Alguns leitores condenam essa visão, sob o argumento de que normaliza a barbárie.

Mas se era assim com o deputado, por que não seria com o presidente, cujas ações mexem com nosso destino e com a imagem externa do Brasil?

Na minha visão de mundo, é impensável ofender os eleitores que escolheram outro caminho. O pressuposto é apostar na boa-fé da maioria do povo brasileiro.

Farei uma oposição sem truques ou medo, das que não visam ao poder. Apenas um desejo de ver o país retomando democraticamente os trilhos, um pouco também por filhos e netos. A sensação de continuidade ao lado da poesia são os territórios em que desafiamos a morte.

Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. No entanto, as dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo. As qualidades para ganhar a eleição são diferentes das que impulsionam o governo. Para vencer, é preciso falar a linguagem do povo.

O grande talento nesse campo nem sempre nos socorre, quando a necessidade impõe grande esforço intelectual para a tomada de decisões. Da mesma forma, o tom agressivo de campanha é o inverso da generosidade que se espera de um eleito.

Bolsonaro não é um raio em céu azul. O panorama político no Brasil mudou. Pensadores de direita surgiram no cenário. Jovens liberais, propagandistas religiosos ocuparam as redes.

As manifestações de 2013 colocaram na rua multidões com uma aspiração difusa de melhores serviços. As de 2015 afunilaram na denúncia da corrupção, impulsionaram a queda de Dilma.

Uma esquerda, sem élan para se reinventar ou base teórica para vislumbrar o horizonte, tornou-se uma presa fácil no debate de ideias.

Foi uma campanha da era digital. Hoje, todos falam, compartilham. Baixo nível? Talvez. Mais democrático? Sem dúvida. Foi também facada, fake news, acusações, brigas entre famílias, amigos, ansiedade, tentativas de suicídio — um psicodrama nacional.

Fiz tudo para manter a cabeça fria. É natural levar caneladas dos dois lados. Caneladas e balas perdidas são parte do jogo.

Outro dia, alguém escreveu sobre mim: se ficar como ele, peço aos amigos que me ajudem numa eutanásia. Não tenho por hábito contestar essas coisas da rede. Nesse caso, a resposta seria simples: obrigado por morrer em meu lugar. É uma gentileza nesses tempos sombrios.

É preciso viver um pouco mais para ver um país mais tranquilo, fraternal. Não sou ingênuo a ponto de imaginar esquerda e direita de mãos dadas. Não se trata de lirismo. As emoções da campanha ofuscaram um pouco a gravidade de nossos problemas.

Agora, voltamos à vida real.

A nova direita

DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 29/10

A ideologia de esquerda está perdendo espaço para a emergência de novas forças políticas


O quadro eleitoral mudou a face do País. Novos parlamentares, novos governantes. Os padrões que vinham orientando a conduta dos políticos sofreu uma brusca transformação, desde a importância da televisão, que perdeu a sua força em detrimento das redes sociais, até a afirmação do antipetismo como ideia transformadora. A ideologia de esquerda perde a sua aderência, abrindo espaço para a emergência de novas forças.

Até estas últimas eleições tínhamos um critério definido, articulado em torno da oposição PT-PSDB. O esquema vigente estruturava-se a partir de uma alternativa entre uma esquerda social-democrata e uma que detestava essa denominação, fazendo o jogo da democracia, apesar de não reconhecer o seu valor universal.

Os valores da esquerda funcionavam como uma espécie de terreno comum, balizando os termos da disputa. Segundo as necessidades eleitorais, os tucanos faziam uma leve inflexão à direita, para capturar os seus votos, embora não se reconhecessem nesse movimento. Os petistas, por sua vez, saíam de sua posição de esquerda ou de extrema esquerda rumo ao centro para não afugentar cidadãos comprometidos com a democracia e os princípios do Estado de Direito e de uma economia de mercado.

Tal forma de enfrentamento terminou sendo muito confortável para os dois contendores, que em seus melhores momentos de relacionamento se consideravam irmãos de uma mesma ideologia social-democrata, embora um deles não se reconhecesse nesse espelhamento.

À direita não lhe sobrou nenhum espaço. O PSDB considerava-a um mero lote de votos que nele desaguaria normalmente, uma vez que esse setor da população não votaria no PT. Nos poucos momentos em que a sociedade se pôde manifestar em função propriamente de valores foi no referendo sobre o Estatuto do Desarmamento, em que a maioria da Nação votou pelo direito à legítima defesa.

O voto popular foi posteriormente desconsiderado por meio de atos administrativos, como se a vontade da maioria não devesse ser respeitada. Não é casual que Jair Bolsonaro tenha partido precisamente da defesa desse valor ancorado no direito de proteção da própria vida, tendo visto aí uma brecha que terminou se mostrando uma grande avenida.

Acontece, porém, que a sociedade passou a não mais se reconhecer nesse jogo da esquerda. Viu-se não representada. Os tucanos desaprenderam de fazer oposição, oscilando em suas posições e não sabendo fazer o enfrentamento com o PT. Pior ainda, muitos de seus líderes terminaram comprometidos com a corrupção, tirando desse partido o que era seu traço distintivo.

O PT, por sua vez, abandonou qualquer disfarce democrático e partiu para o aparelhamento ideológico e partidário do Estado, tratando-o como se fosse uma espécie de coisa sua, a ser negociada com empresários que se locupletavam num capitalismo de compadrio. Para as massas de trabalhadores e desempregados sobraram as migalhas desse enriquecimento ilícito.

Agora, com Jair Bolsonaro e, no primeiro turno, com João Amoedo, para não falar dos novos deputados e senadores, não apenas saímos da oposição estéril entre esquerda e direita, como a direita passou a se apresentar em sua diversidade. O PT ainda procura, no desespero, caracterizá-la como fascista, pois nada mais sabe fazer do que considerar os seus adversários como inimigos que deveriam ser aniquilados: o “nós” contra “eles”. O partido nunca soube conviver com o outro, apenas procura sempre consolidar a sua própria hegemonia. Nem semelhantes consegue aceitar. Ciro Gomes e Marina Silva que o digam! Foram, em diferentes momentos, simplesmente descartados e desconsiderados.

A nova direita apresenta-se agora em duas correntes. Trata-se dos conservadores e dos liberais, em sua significação inglesa, pois na vertente americana os liberais são de esquerda, na acepção local da social-democracia. Uma, representada por Jair Bolsonaro, tem sua ideia reitora em posições conservadoras, outra por João Amoedo, que expressa posições liberais.

A primeira está, principalmente, ancorada na questão dos costumes e no direito à legítima defesa. Trata-se de valores morais que deveriam, segundo essa formulação, fundamentar as posições públicas, dentre as quais a luta contra o aborto, a defesa da família, o direito à posse de armas e o combate à ideologia de gênero nas escolas. Daí nasce o apoio maciço dos evangélicos e de setores católicos a Jair Bolsonaro.

No que toca à questão econômica, as posições são menos claras, embora o candidato tenha passado a levar a sério posições liberais, como a necessidade de privatização de algumas empresas estatais, a austeridade fiscal e a urgência da reforma da Previdência, por exemplo. Em todo caso, clara está a defesa da economia de mercado e do Estado Democrático de Direito, o direito à propriedade privada, a defesa das seguranças jurídica, física e patrimonial e a liberdade de imprensa e de expressão. Aqui, posições conservadoras recortam perfeitamente as liberais.

A segunda, a liberal, parte enfaticamente da defesa da economia de mercado, insistindo na redução substancial do peso do Estado, apregoando um programa rápido e abrangente de privatizações. No que tange aos costumes, diferencia-se dos conservadores por defender outros valores, como a liberalização do aborto e das drogas e a defesa das minorias. Ou seja, a noção de liberdade seria entendida de um modo mais amplo, vindo a significar um distanciamento dos princípios conservadores.

Os próximos anos certamente serão a ocasião de desenvolvimento e de contraposição entre essas posições à direita, vindo a ser propriamente protagonistas da luta política, e não mais meras coadjuvantes de posições de esquerda, que as instrumentalizava. Caberá, isso sim, à esquerda reinventar-se, abandonando, no caso do PT, seus delírios chavistas e antidemocráticos.

*Professor de filosofia na UFRGS.

GEOMAPS


celulares

ClustMaps