quinta-feira, 31 de maio de 2012

Senador da Bolívia pede asilo ao Brasil e cria mal-estar entre países

Convém relembrar o asilo político em nossa embaixada para Zelaya.
Vamos ver se há coerência nas ações  da Chefe de Estado Brasileira.


 Fabio Murakawa
Valor Econômico 


O pedido de asilo feito ontem pelo senador boliviano Roger Pinto à presidente Dilma Rousseff criou uma saia justa para a diplomacia brasileira. Ele ocorre num momento delicado na relação bilateral, em meio a uma extensa agenda negativa que os dois países têm de resolver.

Roger Pinto, líder da opositora Convergência Nacional, chegou anteontem à Embaixada do Brasil em La Paz acompanhado de outros três parlamentares: as senadoras Jeanine Añez e Carmen Eva Gonzáles e o deputado Adrián Oliva. Autor de várias denúncias de corrupção contra o governo e de conexão de funcionários públicos com o narcotráfico, Pinto alegou ser vítima de perseguição política em seu país e disse estar sofrendo ameaças de morte. Aos diplomatas brasileiros, o senador afirmou ser alvo de 20 processos judiciais por "desacato", todos ligados às suas denúncias. Por esse delito, ele pode pegar até três anos de prisão.

Os demais parlamentares passaram a noite na representação diplomática brasileira "em solidariedade ao senador Pinto" e saíram ontem pela manhã. Pinto ficou e pediu asilo político ao Brasil, que faz fronteira com o seu Departamento (Estado), Pando.

A chegada do novo "hóspede" deixou o Itamaraty em uma situação delicada. Se o Brasil não concede o asilo, pode ser acusado de virar as costas para a situação dos direitos humanos no país vizinho. Se concede, pode irritar o governo Evo Morales em um momento em que os dois países têm uma agenda recheada de temas negativos. A Bolívia está prestes a devolver ao país cerca de 400 veículos roubados em território brasileiro, após intensa pressão de Brasília. Além disso, ainda não está totalmente solucionado o imbróglio envolvendo uma estrada financiada pelo BNDES no país. Morales retirou a obra da brasileira OAS em abril e ameaça executar a garantia bancária, o que sujaria o nome da construtora internacionalmente.

Ontem, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que o "o Brasil acompanha de perto a situação". O Itamaraty afirmou que os contatos estão sendo feitos "no mais alto nível" entre os dois países. Mas a sensação é que o governo brasileiro não sabe ao certo o que fazer. O Brasil cogita pedir a La Paz um salvo-conduto para que o senador seja transferido da embaixada ao aeroporto - por conta dos processos judiciais, ele está proibido de sair do país. Caso isso seja negado, corre-se o risco de que a embaixada brasileira em La Paz viva uma situação parecida com a de Honduras em 2009, quando abrigou por mais de quatro meses o presidente Manuel Zelaya, deposto por um golpe militar.

A senadora de oposição Centa Rek, que esteve ontem na embaixada, disse ao Valor que há pelo menos outros 15 parlamentares na mesma situação de Pinto e que podem pedir asilo a outro país a qualquer momento, "talvez o Brasil". Já Jeanine Añez contou que esteve com Oliva na semana passada em Brasília e que denunciou a perseguição a parlamentares bolivianos aos senadores Fernando Collor (PTB-AL), presidente da Comissão de Relações Exteriores, Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Eles foram ciceroneados por Sérgio Petecão (PSD-AC), que disse conhecer o senador Pinto de longa data. "Eu já o aconselhei várias vezes a fugir do país. Mas não sabia que ele iria à embaixada", afirmou.

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Estudo traz sugestões para economia verde no Brasil



Marta Nogueira 
Valor Econômico 


A transição do Brasil para uma economia verde e sustentável depende da maior frequência de reajustes nos preços dos combustíveis fósseis, com base na variação do barril de petróleo no mercado internacional. É o que aponta coletânea de estudos elaborada pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Para fundação, a quase ausência de aumentos de preços dos combustíveis fósseis no mercado interno impede a competitividade dos biocombustíveis no Brasil.

A coletânea, elaborada dentre agosto de 2011 e maio desde ano, teve patrocínio da Ambev, BNDES, JSL, Light, Shell e Tetra Pak e investimento de R$ 540 mil. Os levantamentos, que contêm propostas para diferentes setores da economia brasileira, foram entregues à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e serão levados à conferência das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, a Rio+20, de 13 a 22 de junho, no Rio.

O diretor superintendente da FBDS, Walfredo Schindler, afirmou que o objetivo dos estudos é trazer propostas para implementação imediata. Como não é objetivo da Rio+20 trazer metas de curto prazo, a expectativa da fundação é que os assuntos sejam conhecidos e discutidos em um primeiro momento, e possam ser tratados com mais atenção após a conferência.

Um dos 12 estudos que compõe a coletânea, intitulada "Diretrizes para uma Economia Verde no Brasil", defende a incorporação dos impactos ambientais e sociais aos custos da energia. Isso, na prática, elevaria os preços reais da geração fóssil.

"A gasolina vem sendo mantida com preços artificialmente baixos há muito tempo", disse Schindler. Mas admitiu, no entanto, que as reservas do pré-sal são ativos importantes e o óleo continuará a ter papel de destaque na economia mundial.

Para Schindler, o programa de produção e uso de etanol de cana no Brasil representa "o mais importante programa de energia renovável do mundo e equivale a economia de quase um milhão de barris de petróleo por dia". Essa análise leva em conta produção de biocombustível líquido e eletricidade. Nos últimos 33 anos, segundo Schindler, a produtividade do etanol aumentou 3,6 vezes. "Hoje, utilizamos 27% da área de cana para produzir a mesma quantidade de etanol produzida nos anos 70", disse.

Em relação à geração de energia elétrica, Schindler destacou que o Brasil "ainda tem a matriz energética muito limpa" em comparação com a média mundial. Entretanto, ressaltou que a quantidade de termelétricas a combustíveis fósseis tem crescido, principalmente por causa de questões ligadas à segurança energética, dificuldades para obtenção de licenciamento ambiental para hidrelétricas e complicações para o aproveitamento do potencial hídrico amazônico. Segundo ele, dos cerca de 55% do potencial hidrelétrico que ainda há para explorar no país, cerca de 70% está na Floresta Amazônica.

Dentre as propostas para aumentar a geração está o incremento da energia eólica. "De 15% a 20% da nossa demanda poderia ser suprida por meio de energia eólica", disse Schindler. Segundo ele, entre 2009 e 2011 foram investidos quase R$ 30 bilhões, correspondentes à contratação de uma capacidade de 5.785 MW. Isso permitirá que a participação da energia eólica passe de pouco menos de 1% para mais de 5% da capacidade instalada de geração de energia no país, até 2014.

Outra defesa do estudo é que a modernização de hidrelétricas mais antigas podem trazer ganhos de capacidade de 2,5% a 20%. Segundo Schindler, é possível efetuar programas de repotenciação em instalações que hoje correspondem a 32 GW instalados com custos de R$ 250 a R$ 600 por kW adicionado.

Além disso, o estudo afirma que, com o fim das concessões das usinas hidrelétricas, a partir de 2015, podem ser criadas diretrizes para que empresas e consórcios que fiquem com as concessões invistam em bacias hidrográficas com foco no uso múltiplo da água incluindo setores como agricultura, uso humano e transporte por rios.
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A hora e a vez da moderna agricultura tropical







Marcos Sawaya Jank
O Estado de S. Paulo

Nas próximas décadas o mundo oferecerá uma oportunidade de ouro ao Brasil, que exige, acima de tudo, planejamento e organização. Entre 2000 e 2050, o consumo global de alimentos vai triplicar, pois a população crescerá uma vez e meia (de 6 bilhões para 9 bilhões de pessoas), ao mesmo tempo que cada habitante duplica seu consumo individual, dado o aumento da renda. A agência americana Usaid estima que nesses 50 anos teremos de gerar um volume de alimentos semelhante ao que produzimos nos últimos 8 mil anos.

Commodities alimentares serão produtos valorizados e dinâmicos num mundo marcado pela urbanização acelerada, pelo crescimento da renda per capita nas economias emergentes e pela mudança dos hábitos alimentares, com a substituição de grãos e tubérculos por proteína animal. A desaceleração da economia chinesa pode até impactar momentaneamente esse movimento, mas ele continuará positivo e exponencial nas próximas décadas, pois é de natureza estrutural. Basta lembrar que a própria China está mudando o foco de seus investimentos de infraestrutura para consumo, o que se traduz por uma migração de commodities minerais para agrícolas e energéticas, com destaque para as carnes e os lácteos. Esse imenso país só tem 15% de terras aráveis e vai investir US$ 630 bilhões em programas de conservação de água nos próximos dez anos, uma questão que já se tornou de segurança nacional. A Índia vem atrás, com os problemas semelhantes.

O fato é que em 2000, dos US$ 20 bilhões que exportamos no agronegócio, 60% se dirigiram à Europa e aos EUA, ante apenas 14% à Ásia. Em 2011 exportamos US$ 95 bilhões no agro, sendo 25% para a Europa e os EUA e 52% para a Ásia. Um crescimento de 15% ao ano, agora redirecionado para países emergentes - da Ásia, do Oriente Médio e da África -, que nos obriga a repensar toda a nossa política comercial. Estou convencido de que essa nova era "asiocêntrica" é muito mais uma oportunidade do que uma ameaça para o Brasil. Para entender isso é preciso despir-se dos preconceitos históricos contra "commodities" e verificar in loco o que está acontecendo no campo brasileiro: novas tecnologias adaptadas às condições tropicais, importantes ganhos de escala e especialização dos produtores com a migração do Sul para o Centro-Oeste e o Nordeste, novos modelos de gestão e comercialização de produtos, agricultores jovens e dinâmicos, sistemas agroindustriais sofisticados.

Não é por acaso que o mapa das cidades com IDH mais elevado bate exatamente com o mapa da agricultura empresarial mais moderna. Na última década a produtividade total da agricultura (terra, trabalho e capital) cresceu 3,6% ao ano, ante menos de 0,5%/ano dos setores de serviços e da indústria não agrícola. A quantidade de indústria e tecnologia embarcada num simples grão de soja é grande e é nessa etapa da produção, junto com as soluções de logística, que se encontra o verdadeiro "valor adicionado" que acaba diferenciando produtores e países. As crescentes restrições na disponibilidade de terra e água fazem com que produzir commodities seja hoje mais relevante e complexo que processá-las. A China já percebeu isso, mas não tem saída.

Resta saber se conseguiremos aproveitar essa oportunidade. Primeiro, por causa das travas que tornaram nosso agronegócio um setor com imenso potencial, porém de alto custo. Travas clássicas são as ineficiências estruturais da nossa logística e os crescentes riscos regulatórios - legislação complexa e altamente instável no tempo, por exemplo, nas áreas ambiental e trabalhista, de registros de propriedade precários e restrições para aquisição de terras por empresas nacionais controladas por capital estrangeiro. Segundo, porque os concorrentes não estão parados: oferecem cada vez melhores condições para produzir, principalmente em termos de políticas de atração de investimentos, logística adequada e incorporação de novas tecnologias. No seminário sobre perspectivas do agronegócio 2011-2012 organizado pela BM&F na semana passada, empresários brasileiros declararam que estão considerando seriamente a possibilidade de investir em outras regiões (EUA, Leste Europeu, África), onde as condições para plantar seriam mais atrativas.

Precisamos urgentemente definir com clareza as metas e o papel que o Brasil deveria desempenhar na busca pela segurança alimentar e energética do planeta nas próximas décadas. Em seguida, precisamos definir como as cadeias de suprimento deveriam estruturar-se para atingir essas metas: políticas públicas que garantam segurança jurídica para investir, fortes ganhos de eficiência logística e incentivos à agricultura de alta produtividade e verdadeiramente sustentável, com eficiência econômica e responsabilidade socioambiental. A longo prazo, o que interessa não é o que um país produz, mas como ele produz em relação aos seus melhores concorrentes. O mundo claramente espera proatividade e liderança do Brasil nessa área.

Retornei de uma semana de eventos nos EUA convencido que esta é a hora e a vez da agricultura tropical moderna, não apenas no Brasil. Mas por aqui efetivamente saímos na frente, demos passos importantes nas últimas décadas e não podemos agora ficar parados contemplando nosso próprio umbigo. Não se trata de aproveitar uma oportunidade de mercado ou de ficar repetindo que temos recursos naturais abundantes. Isso não basta, e também não é mais verdade. Precisamos, sim, de muito planejamento e organização para enfrentar uma questão fundamental para o futuro do planeta: como criar cadeias de suprimento eficientes para alimentar 9 bilhões de pessoas, a grande maioria vivendo em cidades, com recursos naturais cada vez mais restritos.

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quarta-feira, 30 de maio de 2012

De Maceió ao Cairo




ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo 


Acabo de chegar de Maceió, onde falei sobre "rituais de passagem" na décima edição do Pajuçara Management. Discorri sobre um assunto anormal num encontro de empresários. Falei de coisas velhas para pessoas dedicadas ao novo. Rituais e símbolos, porém são os 2% dos tais 2% que nos distinguem dos macacos.

Fiz novos amigos e viajei no tempo, porque quando menino de 8 anos, em plenos anos 40, morei em Rio Largo e, depois, em Maceió numa casa que minha saudosa mãe chamava de "castelinho", localizada na Ponta da Terra. Com um mapa, Sergio Moreira, meu generoso anfitrião em Alagoas, mostrou como esse bairro hoje faz parte de uma ampla malha urbana. Um conjunto litorâneo que, graças à hospitalidade de Bruno Cavalcanti e Rachel Rocha Barros, nós vivenciamos visitando seus sítios mais interessantes e recebendo vastas doses de história e sociologia do Nordeste - esse berço de Brasil.

Acompanhava tudo isso um menino chamado Roberto que, de quando em vez, surgia para relembrar o sabor do sururu comido pela primeira vez em 1942 e confirmado nestes 2012 por um homem de espaçosas 75 primaveras. O mesmo ocorreu naqueles segundos que antecedem a formalidade da palestra. Pois foi num camarim muito confortável que me veio à memória a moeda reluzente de um cruzeiro, a nova unidade monetária nacional criada em 1942, a qual usei de imediato para comprar um "quebra-queixo" ou uma tapioca na praia sem calçadão e automóveis, localizada perto de nossa casa.

Os hospedeiros generosos falavam dos primeiros anos da República dominada pelo nepotismo alagoano então (?) normal dos Fonsecas - o marechal Hermes era sobrinho do igualmente marechal Deodoro -, ambos alagoanos; e, dentro de mim, surgia nítida, como as águas da Praia do Francês, a imagem de uma superfortaleza voadora americana B-25, sobrevoando a antiga Maceió, provavelmente indo de Caravelas para Natal, onde os americanos tinham bases navais e aéreas que foram instrumentais para a conquista do Norte da África e, em seguida, para a invasão da Sicília pelo seu 4.º Exército. Ao lado disso, surgiam figuras de marinheiros e soldados americanos risinhos, distribuindo chocolates para os meninos e cigarros Chesterfield para os adultos, que admiravam a sua qualidade e o azul inefável de sua fumaça. E seguia a caixa de Pandora das minhas recordações, trazendo intacto o momento em que esse mesmo pai, Renato, me deu uma primeira Coca-Cola, com as seguintes palavras: "Prove esta bebida inventada pelos americanos!" Provei e senti o gosto imprevisto na boca do menino habituado aos refrescos caseiros de graviola e cajá.

Essa Maceió de gostos imprevisíveis era bem diferente da cidade previsível que eu percorria. E novamente o menino se retornava lembrando os comentários de meu pai ao retornar de uma tarde dançante tocada a big band num clube de oficiais da Marinha americana: "É incrível - diz meu pai que foi um baiano ciumento mesclado do horror a ser traído pela mulher, esse terror aprendido numa Manaus, onde todos os homens andavam armados - como esses americanos deixam suas mulheres dançar com outros homens..."

Durante anos, essa frase rondou minha vida, tendo sido decisiva na construção de minha masculinidade. Mas minha mãe Lulita, uma exímia pianista, proibida de dançar com outros homens, vingava-se tocando no seu piano uma bela música americana, cujo nome intrigava o casal. Era a canção Tangerine (de 1941), que falava de uma mulher pela qual todos se apaixonavam, mas ela somente flertava a si mesma. Meus pais achavam graça que uma música tivesse o nome de uma fruta. Coisas de americanos...

Tempos em que ainda havia ciúme. Tempos em que tudo era grande e o mundo imenso.

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Voltando ao hotel, li na Folha de S. Paulo uma crônica absolutamente clássica - a tal crônica que vale um jornal - do Cony, intitulada Omelete de Ovos de Camelo, na qual ele conta suas andanças pelo Cairo, Egito. No país das pirâmides, do generoso Nilo e do deserto inclemente lhe oferecem um exótico omelete de ovos de camelo. Eu também fui ao Cairo e testemunhei o efeito devastador do chá de menta num dos meus companheiros de conferência.

Não fiz, como o Cony, o exercício inútil de inutilmente entrar na barriga da pirâmide. Fui mais estupido: comprei uma pedra do túmulo faraônico feito de pedras! E num gesto de improfícuo, andei e fiz questão de ser fotografado montado num camelo. Não me ofereceram nenhum desconfiável omelete de ovos de camelo mas, diante dessa infame CPI do Cachoeira com seus mil e um laranjas, não tenho dúvida de que faz algum tempo que estamos todos comendo esses suspeitíssimos omeletes de ovos de camelo aqui, no Brasil.
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Fazer mais com menos braços




Ronald Lee
Monica Weinberg - Veja



O economista americano não se assusta com um mundo com mais idosos e menos bebês, desde que a chance de investir na formação de mentes inovadoras seja aproveitada

Estudioso das questões demográficas há mais de quatro décadas, o economista americano Ronald Lee, 70 anos, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, tem se dedicado nos últimos anos a analisar e tentar antecipar reações a um dilema social que tira o sono de governos no mundo todo. Em que bases vai se sustentar a economia de países onde nascem cada vez menos crianças e os aposentados vivem cada vez mais tempo? Lee afirma que os efeitos desse ônus demográfico já começam a afetar as nações ricas e que o Brasil também não escapará deles. Alerta o professor, que atualmente conduz uma pesquisa sobre o envelhecimento populacional em 28 países, incluindo o Brasil: “As saídas para um mundo mais velho e melhor passam pela adoção de medidas incômodas e inéditas, que quebrem a lógica reinante”.

Por que o senhor mantém um tom sempre mais otimista que o de seus colegas em relação ao envelhecimento da população mundial? 
Seria inocente de minha parte sair por aí divulgando uma visão idílica de uma questão que já coloca aos países com maior concentração de gente idosa, como o Japão e boa parte dos europeus, obstáculos e desafios tão complexos. Cedo ou tarde, está claro que todos terão de encarar reformas radicais para arcar com os custos desse contingente que não produz. Dito isso, é possível afirmar, sim, que há certos aspectos do envelhecimento que, se bem aproveitados, podem atenuar suas consequências, ou mesmo neutralizá-las a longo prazo. São oportunidades que não devem ser perdidas.




Quais seriam elas? 
Quando há menos crianças em uma sociedade, torna-se possível investir substancialmente mais na educação de cada uma lapidando e potencializando talentos a serviço da economia. Isso já está acontecendo em lugares como Japão e Taiwan, onde reinam as famílias com filho único. Ali, o gasto por estudante ao longo da vida escolar equivale a seis anos de trabalho de seus pais. É uma boa quantia. Só para comparar, em nações africanas, onde as taxas de fecundidade persistem altas e as famílias são numerosas, as cifras não passam de um terço desse valor, já que o rateio das verbas, públicas e privadas, é feito em um universo muito maior. Uma força de trabalho mais educada e pronta para ser criativa e inovadora, tem grandes chances de levar a produtividade às alturas, desse jeito que, acredito, os países mais envelhecidos poderão compensar sua desvantagem demográfica.

Isso se aplica mesmo a um país como o Japão, onde os mais velhos já representam quase um terço de toda a população? 
Os ganhos de produtividade podem se elevar a níveis tão altos que talvez cheguem a compensar a escassez de mão de obra mesmo nesses cenários mais extremos. É preciso considerar também que as economias mais avançadas exigem cada vez menos braços e mais cérebro. Há ainda um terceiro ponto, representado pelos avanços da medicina, graças aos quais as pessoas conseguem se manter ativas, física e mentalmente, por muito mais tempo. Um interessante conjunto de pesquisas americanas a respeito mostra que as pessoas de 70 anos hoje estão tão ou mais saudáveis que as de 60 de três décadas atrás. A maioria segue apta para o trabalho. É com base nessa nova realidade que defendo, sem as meias palavras que costumam permear o debate, a ideia de que esse grupo precisa receber todos os incentivos para que adie a aposentadoria, e não para que a antecipe, como é mais comum.

Em vários paises, as pessoas estão se aposentando cada vez mais cedo. Como inverter a tendência? 
Antes de tudo, os governos precisam enfrentar o corporativismo e a resistência de gente que não quer perder benefícios e, enfim, aumentar a idade mínima para a aposentadoria. Os números atuais espelham um tempo em que as pessoas só viviam menos como atravessavam os anos de velhice com grande dificuldade. Houve uma mudança radical aí, com ganhos extraordinários na qualidade de vida dos que já cruzaram os 60 anos, mas os sistemas previdenciários infelizmente não a acompanharam. Junto à inadiável reforma, os países que já concentram um número considerável de gente no topo da pirâmide etária deveriam começar a refletir também sobre mecanismos bem concretos para estimular a permanência dessa turma no mercado de trabalho.

A que tipo de incentivo o senhor se refere? 
Basicamente, a incentivos de ordem fiscal, que podem ser concedidos, por exemplo, aos empregadores que contratarem funcionários mais velhos. Se estes continuarem em atividade, não apenas deixarão de impactar negativamente as finanças públicas como permanecerão pagando impostos e produzindo riqueza. No final, isso é bem-vindo aos cofres do governo, à economia do país como um todo e também às poupanças de cada um. Evidentemente, quanto maior o capital acumulado, melhores serão os anos que se seguirão na velhice. É crucial dar um empurrão nesse grupo para que ele junte mais dinheiro enquanto ainda conta com a renda do trabalho. Nos Estados Unidos, já começam a surgir iniciativas eficazes nesse sentido. Elas aliviam nos impostos, fornecendo subsídios justamente para que os mais velhos se sintam compelidos a economizar.

As pessoas costumam poupar para a velhice? 
Os números mostram que isso não é uma verdade universal. O que dá para afirmar com toda a segurança é que, vistos como um grupo, os mais velhos são sempre os que concentram mais dinheiro no banco e patrimônio físico. A lógica se repete em realidades tão distintas quanto a dos Estados Unidos e a do Brasil. Entre os americanos, ainda que muitos tenham recentemente perdido capital com a crise, uma parcela já considerável chega a essa fase da vida em boa situação. Eles têm tempo, disposição e verbas para gastar. É outro lado positivo do fenômeno do envelhecimento para o qual, em geral, pouca gente atenta.

Em que medida a redução da força de trabalho em países europeus representa um obstáculo para que eles deixem o marasmo econômico? 
Sem dúvida, a demografia não favorece o cenário. Por isso, a Europa precisa agir rapidamente para tentar suavizar os efeitos do envelhecimento, e já o faz com atraso. Às discussões em torno de mudanças no sistema previdenciário, que naturalmente levarão à perda de benefícios, têm emperrado em argumentos que prescindem de qualquer racionalidade. Basta o assunto vir à baila para suscitar protestos indignados nas ruas das principais capitais. Vira um debate meramente político e ideológico, que passa ao largo do mais óbvio: se nada for feito, esses países, cedo ou tarde, quebrarão. Os Estados Unidos levam certa vantagem, já que mantêm uma taxa de fecundidade razoavelmente alta (de dois filhos por mulher, em média), com a perspectiva de muita gente qualificada ainda por ingressar no mercado de trabalho. Mesmo assim, também precisam encarar a mudança. Para que a conta feche, as autoridades terão de entender de uma vez por todas que a previdência não poderá mais seguir em moldes tão generosos quanto os do passado. Ingressamos em outra era.

Uma presença mais intensiva de imigrantes qualificados não poderia atenuar a falta de braços nesses países? 
A curto prazo, pode até ter um impacto positivo, mas certamente não resolverá a questão em um horizonte mais distante. Afinal, se no princípio os estrangeiros se juntam à força produtiva e contribuem pagando impostos, futuramente também se tomarão um peso para a previdência e para o sistema de saúde dos países que os acolheram. Imigração, aliás, e outro daqueles temas em que as ideologias costumam se sobrepor à objetividade.

Por que o senhor diz isso? 
Nesse debate, as pessoas costumam se dividir em dois grupos: o primeiro repudia os “invasores”, temeroso de que roubem suas oportunidades, e o segundo os alça à condição de tábua de salvação. Resolvi estudar a fundo os efeitos da imigração na economia dos Estados Unidos, e a conclusão é que nenhuma dessas duas turmas está certa. Como política pública, é um jogo de soma zero. Precisamos começar a encarar o problema de forma mais realista, e já. Afinal, o contingente dos que ultrapassam os 60 anos só fará aumentar daqui para a frente, e a velhice tende a ser uma fase cada vez mais longa.

Quais são as previsões em relação à expectativa de vida? 
Segundo projeções recentes, nos países mais ricos as pessoas passarão até o fim deste século a viver quase dez anos mais do que hoje. Significa que, a cada década, a expectativa de vida subirá um ano, o que é bastante relevante. No Japão, onde já se vive, em média, 84 anos, o número saltará para 92. Em países que partem de patamares mais baixos, como o Brasil e outros da América Latina, espera-se que os ganhos na longevidade sejam de dois a três anos por década, até que eles alcancem o nível dos mais desenvolvidos. Esses dados reforçam a necessidade de não só as autoridades, mas também os cientistas acelerarem o passo. Eles têm um papel crucial aí.

Em que sentido? 
A ciência tem o desafio de prover respostas cada vez mais rápidas aos problemas de saúde que já se disseminam nessas sociedades mais envelhecidas. Com o aumento da expectativa de vida é certo que as doenças crônicas se tornarão mais frequentes e que as pessoas conviverão com elas por mais tempo. Por outro lado, enfatizo, será possível usufruir mais anos de vida em plena atividade, graças aos avanços já registrados. Acredito que o saldo dessa conta do envelhecimento penda para o lado positivo, com as pessoas vivendo cada vez mais e melhores anos. Vai depender muito, claro, de quanto e com que rápido a medicina conseguirá evoluir. Quanto mais célere ela for, menos pressão haverá sobre os sistemas de saúde.

O senhor estuda o assunto em 28 países. Quais são os mais generosos com os idosos? 
Os da América Latina, sem dúvida, e, entre eles, o Brasil. Para se ter uma ideia, a discrepância entre o que o governo brasileiro destina aos mais velhos e às crianças é de quase dez vezes em favor dos idosos. No Japão, essa diferença é de 1,6. Nos Estados Unidos, ela não passa de 1,4. Tamanha generosidade teve, de fato, impacto na redução da pobreza, especialmente nas zonas rurais, para as quais as transferências foram maciçamente canalizadas no Brasil. O fato é que não dá mais para o governo se manter tão benevolente. O país passa por um aceleradíssimo processo de envelhecimento de sua população. Isso ocorre não só porque a expectativa de vida cresce, mas também porque as taxas de fecundidade despencam. As brasileiras já têm, em média, menos filhos que as americanas.

Ao contrário dos países mais ricos, o Brasil custou a investir maciçamente em educação, e o nível geral nas escolas ainda é muito baixo. Perdemos uma oportunidade única do ponto de vista demográfico? 
Não completamente. O Brasil ainda pode aproveitar o que resta de seu período de bônus demográfico (momento em que os adultos produtivos superam numericamente as crianças e os idosos), previsto para terminar até o fim desta década. O ritmo de crescimento da economia é bom e o país tem condições de investir firmemente em capital humano. Não vejo outro caminho para lidar com a questão do envelhecimento. Apenas assim, repito, torna-se possível elevar a produtividade e suavizar os efeitos desse processo, que daqui para a frente só vai se acentuar.

O que se pode aprender com a experiência dos países que começaram a envelhecer antes? 
Não citaria nenhum deles como caso exemplar. Na verdade, são contraexemplos, já que custaram a compreender que teriam de vencer as barreiras políticas e ideológicas e levar as mudanças a cabo, ainda que elas fossem impopulares. Até hoje, avançam muito lentamente. Mas vejo com otimismo alguns sinais de que finalmente entenderam que o mundo onde vivemos está passando por uma intensa e irreversível transformação.

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A democracia da decoreba





Claudio de Moura Castro
Veja 

As leis da natureza podem ser cruéis. O preço do sucesso aqui pode ser o fracasso ali. Em meados dos anos 70, peritos da Fundação Ford ajudaram a reformular o vestibular do Quênia. Tornaram as provas mais inteligentes e criativas, buscando testar aquilo que realmente correspondia a uma boa educação. Obviamente, reforçaram perguntas de raciocínio e reduziram o número daquelas que apenas testavam a memória ou refletiam aspectos culturais. É isso que cabe fazer, pois estudamos para a prova. Se a prova é boa, estudamos coisas boas. Mas eles esperavam também que as provas ficassem mais justas, dando melhores oportunidades àqueles de origem mais modesta. Surpresa! Comparadas com as anteriores, as novas provas distanciavam ainda mais os ricos dos pobres. Pouco tempo depois, orientei a tese de mestrado de uma moça que havia estudado com Piaget. Ela estava indignada com a injustiça trazida pelos testes de inteligência aplicados pela Secretaria de Educação, pois exigiam conhecimentos factuais e normas culturais, não apenas raciocínio e capacidade mental. Em contraste, os protocolos inspirados nas teorias de Piaget eram livres desses ruídos. Tomou então uma amostra de alunos e aplicou os dois procedimentos. Outra surpresa! Comparados ao  tradicional da secretaria, os protocolos de Piaget refletiam ainda mais a origem social dos alunos.

Nessa época, eu dirigia um projeto internacional de pesquisas (Programa Eciel) que incluía sete países latino-americanos. Tratávamos de aplicar testes de rendimento escolar (antepassados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos — Pisa) e descobrir que fatores se associavam a bons resultados. Além das análises convencionais, decidimos separar as perguntas de memória daquelas que demandavam manifestações mais elaboradas de raciocínio. Tabulando, veio o mesmo resultado: os pobres obtinham escores relativamente próximos dos alcançados pelos ricos nas perguntas de memória, mas a distância aumentava com relação àquelas que mediam aplicação, raciocínio e análise. 0 Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não privilegia a memória. Portanto, se substituir um vestibular muito tradicional, dará uma vantagem extra aos alunos que frequentaram as melhores escolas. No panorama brasileiro, são predominantemente alunos de origem social mais elevada A ideia de que seria uma prova que promoveria a igualdade social não passa de uma quimera. Eis o dilema. Se queremos uma educação melhor para o país, temos de sinalizar nos testes a direção do esforço esperado. Se a prova pedir raciocínio e análise, os alunos vão se esforçar para dominar essas competências. Se pedir para decorar, é isso que vão fazer. Portanto, o futuro da educação não pode abrir mão de provas que focalizem tais conhecimentos mais nobres —e não a memorização.

É verdade, para decorar fórmulas, reis da França, tabelas periódicas ou guerras púnicas, pobres e ricos estão em condições parecidas. Basta tempo para estudar e teimosia para guardar isso tudo na cabeça. Já as competências de ordem superior são muito mais difíceis de ser ensinadas. Portanto, sofrem muito mais as escolas piores, frequentadas pelos mais pobres. Em contraste, nas escolas dos alunos de família mais próspera esses assuntos são privilegiados. Por isso, eles terão maior chance de obter bons resultados. É a natureza malvada validando a chamada Lei de Mateus: "A quem tem, mais lhe será dado”. E agora? Se voltassem os vestibulares de decoreba. os pobres estariam mais bem servidos. Mas isso seria uma forma perversa de aproximá-los dos ricos, puxando para baixo o ensino de todos, já que as avaliações guiam o ensino. Não melhoraremos nossa lastimável educação sem provas que empurrem na direção certa. O que fazer: aproximar pobres e ricos ou promover conhecimentos de ordem superior? Não há como titubear. Nos testes, a prioridade tem de estar naqueles que empurrem para cima o ensino. Para atender aos imperativos de justiça social, o caminho é outro: melhorar a qualidade da educação pública nos níveis iniciais. Somente assim se pode reduzir a distância entre classes sociais, ou seja, puxando os pobres para cima. Aliás, para justificar essa política de qualidade, não seria necessário falar de vestibular.
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A repotenciação das hidrelétricas




ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ
O ESTADÃO


O crescimento da demanda por energia elétrica no Brasil, associado ao aumento do custo marginal da geração e às restrições ambientais à construção de novas usinas, impõe cada vez mais a necessidade de utilizar com eficiência as fontes de geração existentes. Uma forma racional de uso do parque gerador atual é a repotenciação de usinas hidrelétricas. Ela pode ser feita: 1) por meio da substituição de máquinas antigas( turbinas, geradores e rotores), algumas com mais de 30 anos, por novas; 2) pela instalação de máquinas adicionais em poços vazios de usinas existentes, em muitos casos previstos nos projetos originais; e 3) pela modernização de instalações e sistemas de controles de usinas, para melhorar seu desempenho e adicionar energia firme, reserva de potência e atender à ponta de forma mais barata e ambientalmente melhor.

Alguns estudos mostram a importância da repotenciação dessas usinas. Um deles, do WWF-Brasil, considerando 67 usinas no nosso parque hidrelétrico com porte superior a 30MWe mais de 20anosdeoperação, totalizando 34.735 MW, apontou um potencial de ganho de capacidade de 8.093MW(ou 23,3% do total) apenas com a substituição do rotor do gerador elétrico. Em outro estudo, a Empresa de Pesquisa Energética estimou um aumento de energia firme de 270MW médios, correspondentes a um acréscimo na potência efetiva do Sistema Interligado Nacional( SIN)de 605 MW - considerando o incremento no rendimento de um subconjunto de usinas hidrelétricas do SIN com mais de 20 anos de idade, totalizando 24.053MW.

A Agência Nacional de Energia Elétrica( Aneel), com base em dados da Abrage sobre poços disponíveis em usinas hidrelétricas existentes para instalar novas unidades geradoras, estimou um potencial de acréscimo de potência de 5.200 MW nessas usinas. Segundo a Aneel, a instalação da nova motorização permitiria turbinar entre 1.400MW médios e 3.400MW médios de energia, que é hoje vertida, dependendo do ano.

A repotenciação traz várias vantagens ao sistema elétrico. Considerando que a expansão das hidrelétricas tem sido limitada pela construção de reservatórios mínimos, para atender ao conceito de fio d"água, decorrente das exigências ambientais, a repotenciação das usinas é ainda mais adequada, pois seria feita em hidrelétricas existentes próximas aos centros de carga ou em regiões onde firmam a oferta de energia elétrica, com impacto ambiental mínimo.

O SIN necessita de potência adicional para garantir sua segurança operacional. A falta de potência poderá ser agravada pela maior participação das demais fontes renováveis e hidrelétricas a fio d"água. Hoje, essa potência adicional é muitas vezes assegurada pela geração em termo elétricas, que requer dos consumidores o pagamento do Encargo de Serviço do Sistema e gera maiores impactos ambientais. As outras fontes renováveis, apesar de estarem assumindo significativa participação na matriz de geração elétrica, precisam das hidrelétricas para assegurar o suprimento da carga, pelas características intrínsecas de intermitência e sazonalidade.

Mas o aproveitamento desse potencial requer mudanças no marco regulatório do sistema elétrico,como intuito de incentivar os investimentos necessários à repotenciação. Uma questão que deve ser destacada é a necessidade de a Aneel definir uma solução regulatória que permita aos agentes a remuneração do investimento na repotenciação, e não só o ressarcimento dos seus custos.

O planejamento do governo (PDE 2020) não considera a necessidade de potência adicional, apesar de a nova estrutura da matriz de geração acentuar os problemas operacionais de potência para atender à carga e à ponta. A potência adicional garantirá ao SIN maior segurança operacional, além de vir ao encontro da exigência que vigerá a partir de 2014, quando será exigido de todos os agentes lastro de potência para garantir 100% de seus contratos. Nos países que já aproveitaram todo o seu potencial hidrelétrico, este processo é rotineiro. Aqui, no Brasil, está só começando.
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terça-feira, 29 de maio de 2012

Sisyfus na Cachoeira

Breves considerações sobre uma "masturbação" conceitual e inoportuna.


A fábula grega dá conta que o deus Sísifo, guardião dos portos, tentou dar "um golpe" em Zeus e este lhe impingiu um castigo: Sua eterna lide seria empurrar uma pesada pedra morro acima e depois deixá-la rolar abaixo para prosseguir, incessantemente, na tarefa.


Sim, claro, a fábula dá uma noção de suplício interminável. Há uma escultura famosa denominada "O suplício de Sisyphus" que retrata esta compulsão pelo repetido e interminável.

Assim, amigos, é que considero esta "masturbação conceitual" e ideológica o affair Cachoeira e Mensalão imposto, goela abaixo, pelo governo e mídia com o intuito de tergiversar sobre a incompetência em se gerir um país complexo como o Brasil.




Masturbação o nome e ato já dizem por si sós, o conceitual é em função de processos legais, previstos em Lei na na CRFB de 1988 que, no fim, acabarão por libertar os "criminosos". O ideológica é a eterna inocência do distraído cidadão brasileiro nada pragmático e sonhador esperando que uma comoção nacional (relembremos 83% e 77% de aprovação - até onde é comoção e se a "sociedade" com tais índices de aprovação está, de fato, se importando com o que ocorre).

Por fim é inútil, pois todos acabarão, de uma forma ou de outra, inocentados e os que, porventura, permanecerem inelegíveis o governo petista lhes arranjará cargos bem melhor remunerados e com capacidade de manipular a máquina pública, a exemplo do consultor José Dirceu.

Mesmo que uma horda de cidadãos revoltados subam no Ed Central do Brasil e do topo se joguem, ou mesmo se uma interminável fila se postar na rede de metrô paulista para ser atropelado, se os congressistas da CPI não quiserem, o processo ali não prossegue. Então, gastar o valioso tempo para quê, afinal.

Ah, mas pelo índice de audiências de novelas, Big Brother Brasil e programas de ratinhos e dantenas o governo manipula este lastimável show circense sob a batuta de marqueteiros profissionais das emissores de televisão.



Outros surgirão porque a causa está ligada a orçamento, tributos, leis, uma enorme quantidade de leis, de restrições de toda ordem que engessam a gestão pública. Também como causa a interminável carga tributária que sustenta uma verdadeira indústria cartorial, onde se postam dificuldades legais, estatutárias para, enfim, se vender "facilidades".

Mensalão tem forte conexão com Medidas Provisórias, com "by-pass" constitucionais para o Executivo poder executar as ações de gestão necessárias. Como, via de regra, as deliberações legais "demoravam"  na Casa Baixa do Legislativo enquanto "compensações" ou destaques orçamentários egoísticos eram exigidos por parlamentares em contra-partida das votações de caráter urgente ou urgentíssimo.

Cachoeira tem a ver com ONG e outras ferramentas de "governo informal e paralelo" para, também, "by-passar" impeditivos legais, Tribunais de Contas, Lei de Responsabilidade Fiscal e uma miríade legislativa típica de uma sociedade de idiossincrasia cartorial e centralizadora.

Enquanto não houver reformas Fiscais, Tributária e Política não acabar-se-ão Cachoeiras e Mensalões. Simples assim.

Ah, quanto a novela...

O cidadão que acompanha está esperando, triunfante, o momento final para estufar os peitos de dizer "É um absurdo, um bando de cabasafados" e vai ficar por isto mesmo. É só esperar. Aí, todos seguem felizes para seu canto esperando a pedra de Sisyphus rolar morro abaixo para iniciar outro affair circense televisivo.

Sisyphus poderia achar uma Cachoeira e derrubar, definitivamente, de lá, sua rocha, mas e os espectadores brasileiros? Como ficariam?!?!?
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Engolindo a passeata da maconha




ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR
O ESTADÃO


Dias atrás, um grupo de pessoas seguiu em passeata pelas ruas de São Paulo com o propósito de exaltar o uso da maconha e defender a "descriminalização" da droga. Curiosamente, elas seguiam felizes e alegres, como se estivessem a fazer um bem à humanidade, mas, certamente, sem perceber quanto é ofensivo esse seu alheamento em relação ao que se passa no mundo.

Para essas pessoas desligadas da realidade, e que parecem olhar somente para o próprio umbigo, a bandeira da maconha representa uma enganosa luta pela liberdade. Fica a impressão de que nenhuma delas jamais se preocupou com a vida dos que estão à sua volta, na sua rua, na sua cidade, ou com os milhões de paulistanos que acordam às 4 horas da madrugada para se espremerem em ônibus e trens rumo ao trabalho, ou sofrem nas filas dos hospitais. A melhora das condições do ensino, de saúde e de vida do País não parece ser para essas pessoas tão importante como liberar o uso do baseado e, assim, ensinar desde cedo às crianças que essa prática é normal e até mesmo saudável.

Será que essas pessoas um dia vão ter a grandeza de utilizar sua inteligência para agirem em defesa dos mais necessitados ou preferirão seguir a vida sem perceber o que acontece ao lado delas? O vício, que é o oposto da virtude, tende a levá-los a um desfecho sempre ruim, sem que nos momentos de embalo se deem conta disso.

O alheamento e a indiferença ofensiva talvez não sejam culpa direta dessas pessoas, parecendo já refletir uma consequência do uso da droga, a qual inapelavelmente introduz modificações no caráter e acentua a capacidade de tolerância e permissividade entre os usuários. O lado trágico da vida, consistente em não ser desejado, mas ter enormes desejos, costuma empurrar os mais frágeis para a fuga das drogas, que surge na primeira fase como uma compensação, sempre passageira.

Os estudiosos dos tóxicos são claros em afirmar que a maconha, quando chega ao cérebro, estimula a liberação de uma dose extra de um neurotransmissor, provocando compensatórias sensações de prazer. O organismo do usuário, na medida em que o uso se prolonga, tenta se ajustar a esse hábito, e o cérebro acaba por adaptar seu próprio metabolismo para absorver os efeitos da droga. E acaba por ocorrer no usuário uma tolerância ao tóxico - e esta constitui o início dos estragos, porque uma dose, que normalmente faria grande efeito, se torna em pouco tempo inócua, criando uma dependência de cura dificílima.

Os médicos que trabalham em hospitais psiquiátricos especializados no tratamento de drogados costumam dividir a dependência em duas: a dependência física, avassaladora para o organismo, porque tem necessidade extrema da droga; e a dependência psicológica, que afeta principalmente os usuários de maconha. Por estarem psicologicamente dependentes da droga, os viciados em maconha procuram respostas boas dentro de si próprios, como a de que não são viciados, porque a droga, na visão deles, não vicia; e a de que se sentem capazes de parar com o uso quando quiserem. Sucede que não param nunca, porque, até mesmo como efeito social da droga, passam a conviver com pessoas iguais, as quais sempre têm razões de sobra para desejar e conseguir um baseado.

O pior de tudo é que para obter a droga passam a ter de fazer concessões íntimas e submeter-se a exigências que tendem a degradar o ser humano. É uma caminhada no plano inclinado que muitas vezes conduz à pior opção de todas: a criminalidade.

Sempre que vejo pessoas defendendo o uso aberto da maconha me lembro dos adolescentes de arma em punho nos cruzamentos das grandes cidades. Eles têm extrema necessidade de dinheiro, porque, se não pagarem ao traficante que lhes adiantou a droga, pagarão com a vida. Daí por que ficam com o "dedo mole", a qualquer movimento do assaltado puxam o gatilho. Matar ou não matar não faz diferença alguma, principalmente se forem menores e, por isso, inimputáveis.

Verifica-se com tristeza nos meios policiais e no Judiciário que os grupos de viciados adquiriram o perigoso hábito de fazer uma espécie de "consórcio" para a compra de maiores partidas de maconha, com o propósito não só de garantir o consumo, como de baratear o custo. Esse é um risco grave, porque a prisão de consumidor que seja portador de maior quantidade da droga conduz ao seu enquadramento legal como traficante. A defesa jurídica desse incauto é sempre muito difícil e complexa, porque os seus aliados no "consórcio" escorregam celeremente na hora de depor a seu favor.

Outro lado perturbador do consumo da maconha é aquele que representa a ultrapassagem da fronteira entre o que deve e o que não deve ser feito por uma pessoa normal. Arrombada essa porta, inicialmente com o fumo de um baseado, que "não faz mal", "não vicia", está aberto o caminho para drogas mais fortes, como a cocaína e outras derivadas da própria maconha.

Esses viciados, que não se consideram viciados, parecem não perceber que estão a alimentar a cadeia da criminalidade, porque é o consumo aberto, a procura pela droga, que estimula a formação das quadrilhas e o tráfico violento, que chama a atenção do mundo para países como o Brasil e o México.

Enfim, os participantes da passeata da maconha, realizada dias atrás em São Paulo, têm alta dose de culpa nesse processo, mas certamente não estão nada preocupados com isso. Desde que a droga esteja ao seu alcance, tudo o mais é supérfluo, nada mais importa.

O regime democrático é o mais salutar de todos, porém nos obriga a engolir sapos permanentemente. Mas para conseguir deglutir um sapo como esse a gente tem de empurrar com os dedos goela abaixo, porque senão não passa.
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O futuro da propaganda




NIZAN GUANAES
FOLHA DE SP

O Facebook é uma empresa de comunicação que fatura com publicidade; 85% de sua receita vem de anúncios


Muita gente me pergunta qual o futuro da propaganda, e essa resposta eu não tenho, acho que ninguém tem. Prever o futuro hoje é como prever o futuro em Manhattan na noite de 10 de setembro de 2001. Impossível saber o que está vindo pela frente.

A pergunta mais fácil de responder é justamente aquela feita pelos mais céticos: há futuro para a propaganda?

A resposta é clara porque vem quente desse admirável mundo novo. Ela vem do IPO de US$ 100 bilhões do Facebook e vem também do aumento espetacular das ações do Google desde a sua abertura de capital. São empresas que faturam basicamente com propaganda, e se o mercado tem tanta fé nelas, o mercado tem muita fé na propaganda.

Em poucos anos e de forma fulminante, Facebook e Google se tornaram empresas com valor de mercado maior do que General Motors, McDonald"s, Citigroup. E a receita do seu sucesso, a base de suas receitas, é justamente a propaganda: 85% dos US$ 3,7 bilhões de receita do Facebook no ano passado vieram dos anúncios na rede social de Mark Zuckerberg.

Ou seja, o Facebook é uma empresa de comunicação que fatura com publicidade.

Ninguém tem dúvida de que será outra publicidade essa que habitará novas e velhas redes. Mais aberta, mais conectada com o consumidor. Estamos deixando o máximo denominador comum rumo ao mínimo denominador comum. O monólogo está virando diálogo, a propaganda está virando conteúdo e o conteúdo está virando propaganda.

O conteúdo, afinal, é a propaganda da propaganda.

A propaganda sempre foi informação. Já a boa propaganda é informação com alma. E informação com alma é boa propaganda na TV, no cinema, no celular, nos iProdutos, no jornal, no painel do metrô. Hoje, ontem, amanhã.

Quem tem medo do futuro vive no passado.

Quem tem medo de competição está fora da competição.

Os publicitários-empreendedores PJ Pereira e Andrew O"Dell vieram de San Francisco na semana passada falar da sua visão do futuro e do presente. Compartilho aqui seus nove mandamentos, ou melhor, fundamentos, para enfrentar o mundo ao mesmo tempo pós-tudo e pré-tudo:

1 - O digital não é um pedaço, é o todo, o grande "hub".

2 - Recuse rótulos: não deixe colocarem você numa caixa.

3 - E se a propaganda tivesse sido inventada hoje? Não dá mais para fazer propaganda com "check list". É preciso inovar.

4 - Tudo são relações públicas: acabou o monólogo, não basta vender, é preciso se relacionar. Com todo mundo.

5 - Global é uma perspectiva, não uma condição geográfica.

6 - Assuma a dianteira. É preciso pensar como publicitário, comportar-se como "entretainer" e mover-se como empresa de tecnologia.

7 - Não fuja dos problemas. Nada mais fica embaixo do tapete ou dentro de uma gaveta.

8 - Os curiosos são melhores do que os gloriosos: trabalhar pelo prazer, não pela glória.

9 - Construa sua marca sem perder dinheiro.

São nove inspirações para o seu dia, leitor. Esteja você numa agência de propaganda, esteja em outra estrutura produtiva. Com tanta informação, é preciso inspiração. Para que o excesso de informação não cause inação.

O importante é fazer, porque, se der certo, maravilha. Se der errado, conserte rápido. É melhor aproximadamente agora do que exatamente nunca. Grandes empresas muitas vezes ficam tão preocupadas em não errar que levam tempo demais para tomar decisões. Quando pode ser melhor fazer logo o seu melhor, errar rápido, consertar rápido e seguir em frente, no caminho certo apontado pelo erro.

A cultura de massa nutrida no século 20 substituiu a cultura mitológica e religiosa que dominou corações e mentes por séculos. Essa cultura da massa agora está sendo substituída, de forma muito mais rápida, por um multiculturalismo de miniculturas, de pequenas redes: a civilização do nicho.

Você pode sentir desconforto com tantas mudanças. Mas a comunicação ficou mais fácil, não ficou mais difícil. Aproveite.
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O risco da dívida




 MIRIAM LEITÃO
O GLOBO

As famílias brasileiras já estão endividadas demais ou não? Dependendo do indicador, a situação parece tranquila, e, mais do que isso, com grande espaço para crescer. Mesmo assim, é preciso lembrar o que já foi dito neste espaço: o comprometimento da renda das famílias já está alto, no Brasil o dinheiro é muito caro, e o ritmo de crescimento da inadimplência está acelerado.

O volume de créditos em atraso na economia brasileira - como um todo, somando-se o crédito de pessoa física e o das empresas - cresceu 35,5% nos últimos 12 meses até abril. Saiu de R$ 58 bilhões para R$ 79 bilhões, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central na sexta-feira.

Esse volume mostra o total de empréstimo sem pagamento há mais de 90 dias. De janeiro a abril, a alta é de 8,8% em relação ao mesmo período de 2011. O problema é principalmente o ritmo do crescimento do atraso. O crédito cresce a 18% ao ano, mas os atrasos cresceram a 35%.

A provisão que os bancos têm que fazer para o chamado crédito podre, que tem inadimplência acima de 180 dias, subiu 24% nos 12 meses até abril e atingiu R$ 67 bilhões. De janeiro a abril, a alta é de 4%.

Há muita confusão sobre os números de endividamento, em parte porque no Brasil até recentemente o crédito era tão baixo que nem era rotina acompanhar a evolução dos indicadores. Há vários ângulos pelos quais se pode avaliar o endividamento, pegando-se, por exemplo, só a dívida das famílias. Se for como percentual do PIB, no Brasil é 22%, nos EUA, 90%. Deve ter sido a esse indicador que o ministro Guido Mantega se referiu quando disse à "Folha de S.Paulo" que não se deveria preocupar com isso.

Outro indicador também de estoque da dívida mostra o Brasil numa situação muito favorável. Se for comparado o total dos débitos bancários das famílias com o que elas têm de renda em um ano dá 44% no Brasil e 117,5% nos Estados Unidos. Isso engana, porque evidentemente ninguém vai pagar a dívida inteira, financiada em vários anos, com a renda integral de um ano.

O mais relevante é o fluxo: qual é o comprometimento médio da renda mensal das famílias com o pagamento de juros ou amortização do principal? Isso é o que bate no bolso diretamente, emagrecendo a renda disponível para todos os outros gastos como alimento, habitação, transporte, saúde e educação. No Brasil é 22%, nos Estados Unidos é 10,88%.

Ou seja, os norte-americanos são mais endividados, em geral pelos financiamentos imobiliários que são altos e de longo prazo. A cada mês, no entanto, as prestações são baixas, porque os juros são praticamente negativos.

A inadimplência da pessoa física voltou a subir em abril e atingiu 7,6% das operações. No financiamento de veículos, a taxa de inadimplência disparou nos últimos 15 meses. Saiu de 2,5%, em dezembro de 2010, para 5,9%, em abril deste ano, com alta em todos os meses.

Os grandes números de provisão, ou de crédito em atrasos, assustam, mas eles incluem famílias e empresas. E como percentual do total emprestado a taxa de inadimplência é baixa, está em 3,8%. Não há ainda sinal vermelho no crédito, e o Brasil não está às vésperas dos problemas enfrentados por outros países com o estouro de bolhas.

O problema preocupa por todos esses motivos acima: as famílias estão com parte importante da renda comprometida com o serviço da dívida, e isso é alto até para padrões internacionais. Segundo, os juros no Brasil são altos demais, o que torna mais arriscado uma dívida virar uma bola de neve. Terceiro, o mercado de trabalho está aquecido, por enquanto, e isso ajuda as pessoas físicas a pagarem seus débitos, mas se houver qualquer reviravolta a situação pode se complicar.

Se houver qualquer vento contra, no entanto, com os juros caros no Brasil, as famílias podem ter dificuldade de pagar. É por isso que não é uma atitude muito ajuizada o Ministério da Fazenda incentivar o endividamento só porque o ministro quer ser o "levantador" do PIB.

A queda dos juros e os incentivos à renegociação que estão em curso ajudam a desfazer o caroço. Mas incentivar o endividamento de famílias já endividadas só porque o governo quer um número maior do PIB é um perigo. Crédito é bom quando quem o tomou pode pagar. Quando não pode pagar, vira um problema para as famílias, os bancos, os governos.
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'Código Florestal, o Retorno'



 XICO GRAZIANO

O ESTADÃO


Entre tantas dúvidas sobre o Código Florestal, uma certeza o agricultor José Batistela carrega: ele não precisa, nem quer, ser anistiado. Ninguém jamais o convencerá de que incorreu em crime ambiental ao abrir as fronteiras agrícolas do Brasil. Julga tal suposição uma afronta ao seu caráter.

Descendente de italianos, cheio de bisnetos, seu José anda meio depressivo pelo que escutou no rádio e na televisão. Sente-se desprestigiado na sociedade urbanizada que ajudou a erigir e agora lhe vira as costas, não lhe reconhecendo nas mãos os calos ganhos no árduo trabalho da roça. Esquecem-se os citadinos de sua saga familiar, há mais de século iniciada com a abertura daquelas terras roxas na região de Araras, destinadas a plantar os cafezais que forjaram a pujança paulista. O machado, sim, e a maleita, também, fazem parte de sua história. Renegada no presente.

A mistura entre desmatadores e pioneiros representou a pior desgraça gerada nessa infeliz polêmica sobre a legislação ambiental do campo. Uns, condenáveis, outros, elogiáveis, ambos se misturaram no discurso exagerado, enganoso mesmo, brandido pelos radicais do ambientalismo. Em nome de nobre causa - a defesa ecológica -, cometeram uma tremenda injustiça com os nossos antepassados, equiparando-os aos criminosos da floresta. Cuspiram em suas origens.

Semelhantes a qualquer outro povo espalhado no planeta, os pioneiros da Nação brasileira, certamente, suprimiram muitas florestas virgens. Começaram pela Zona da Mata nordestina, onde o latifúndio açucareiro se instalou ocupando a faixa úmida e ondulada que acompanha a costa atlântica. Depois, durante a corrida para a mineração, chegou a vez de o montanhoso solo mineiro ser desbravado. O mesmo ciclo de progresso estimulou a exploração pecuária nos pampas gaúchos. Pedaços da vida selvagem cediam espaço para a civilização humana crescer.

Mais tarde, a frente de expansão adentrou a Mata Atlântica do Sudeste, buscando a excelente fertilidade das terras roxas. São Paulo, por intermédio dos bandeirantes e, depois, dos imigrantes, assumia a dianteira econômica, e política, do País antes mesmo do fim da escravatura. Nessa época, o navio trazendo o pai de José Batistela aportava no Porto de Santos. O que o movia era o sonho da prosperidade no além-mar.

O tempo passou. Somente quando a agronomia realizou uma de suas maiores façanhas tecnológicas - a conquista do Cerrado no Centro-Oeste - a última fronteira se efetivou. Há 40 anos se iniciava a interiorização do desenvolvimento nacional, processo que ainda receberá da historiografia o devido reconhecimento na consolidação do País. Confundir essa ocupação histórica do território com o dano ecológico causado pelos devastadores do presente significa tola, ou mal-intencionada, visão.

Nossos avós, definitivamente, não são criminosos ambientais, tampouco criaram "passivos" a serem recuperados. Ao contrário, eles geraram ativos produtivos para a civilização. Como se teriam erguido, e abastecido, as cidades sem a lavra do solo virgem? Impossível. Derrubar árvores, drenar várzeas, combater peçonha foram exigências do progresso material da sociedade, aqui como alhures, turbinado pela explosão populacional.

Haverá, com certeza, um limite para a exploração planetária. O que permite tal hipótese é o avanço tecnológico. Quanto mais as modernas técnicas garantem, no campo, maior produtividade por área explorada, mais se facilita a preservação de espaços naturais. Boa comprovação disso se encontra na pecuária brasileira. O volume de carne produzido hoje no Brasil exigiria, se mantido o nível de tecnologia de 30 anos atrás, um assustador acréscimo de 535 milhões de hectares nas pastagens. Economizou-se uma Amazônia.

No patamar de conhecimento atual, estima-se que as áreas já exploradas do território nacional seriam suficientes para atender à demanda de mercado por alimentos e matérias-primas. Ou seja, após séculos de expansão sobre os biomas naturais, vislumbra-se um ponto de equilíbrio entre derrubar e produzir. Mais que utopia, o desmatamento zero torna-se uma possibilidade real.

Seu José Batistela, agricultor da velha guarda, tem dificuldade para entender esse assunto da "pegada ecológica" da humanidade. Mas concorda com a punição dos picaretas que, na Amazônia ou onde mais, zunem a motosserra afrontando conscientemente a lei florestal. Sabe que os tempos mudaram.

Aqui está o xis da questão: como consolidar, e regularizar, as áreas produtivas da agropecuária nacional sem facilitar a vida para os bandidos da floresta. Infelizmente, no debate polarizado sobre o novo Código Florestal, tudo virou um só dilema: anistiar, ou não, os desmatadores, colocando todos no mesmo saco. Desserviço à inteligência.

Chegou a hora de passar a limpo essa encrenca entre ruralistas e ambientalistas. Má interpretação, exageros, preconceitos confundiram a opinião pública, até no exterior. Na Europa, especialmente, ecoterroristas venderam a ideia de que o Código Florestal acabaria com a Amazônia. Mentira deslavada. Abaixada a bola com a (correta) promulgação da Lei 12.651/2012, com vetos, seguida da imediata publicação da Medida Provisória 571, há que retomar a capacidade de interlocução.

Doravante valeria a pena ouvir a voz da sensatez. Recuperar a biodiversidade não se sobrepõe à proteção humana. Não faz nenhum sentido regredir, salvo o imprescindível nas matas ciliares, o território produtivo do País. Muito menos facilitar os desmatamentos.

Código Florestal, o Retorno. Assim se poderia chamar o filme. Só que, nesse novo enredo, José Batistela ocupará um papel honrado.
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Crime sem infra



Ruy Castro 

Um homem foi preso outro dia em Guaratinguetá (SP), no ato de explodir um caixa eletrônico. Em sua companhia, levava o filho de oito anos. Não como assistente, estagiário ou cúmplice, mas como acompanhante mesmo -porque não tinha com quem deixá-lo. Sua mulher estava fora, trabalhando, e o zeloso pai não quis deixar o garoto sozinho em casa, entregue à televisão ou à internet durante horas. Sabe-se lá que riscos não corre uma criança exposta a esses veículos?

A história é boa, mas Damon Runyon, delicioso ficcionista americano do século 20, chegou primeiro. Em seu conto "Butch Minds the Baby" (Butch nana o neném), escrito nos anos 1930, uma quadrilha vai arrombar um cofre, e Butch, perito em brocas e explosivos, é obrigado a levar o filho de meses. O assalto se dá em meio a trocas de fraldas em cima do cofre, ao preparo de mamadeiras entre bananas de dinamite e ao choro da criança com dor de ouvidinho -as explosões a fazem achar graça e parar de chorar.

Pelo que me dizem, é um problema sério entre nós essa carência de mão de obra. Fico me perguntando sobre como os praticantes de sequestros-relâmpago conseguem operar sem uma oferta adequada de baby-sitters, no caso de serem pais jovens. E os adeptos de arrastões em prédios de luxo? Sem as antigas empregadas, como garantir que terão roupa lavada e passada para iludir os porteiros e penetrar nos condomínios sem despertar suspeitas?

É uma questão de mercado. Os criminosos que se prezam -aqueles que frequentam os gabinetes certos, manipulam os grandes capitais e contratam os mais respeitáveis advogados- não têm dificuldade para manter impecáveis os seus colarinhos brancos.

Já os nossos bandidos pé de chinelo, cada vez mais sem infra, terão de se virar por conta própria -ou aderir à legalidade.
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Depois dos aeroportos, que tal o saneamento básico?





Paulo Godoy
Valor Econômico 

As autoridades governamentais decidiram introduzir o capital privado em uma das últimas fronteiras do setor de infraestrutura brasileiro: o aeroportuário. Em fevereiro, empresas privadas, nacionais e estrangeiras, surpreenderam o governo federal e arremataram a concessão para investir e operar em três dos principais aeroportos brasileiros: Campinas, Guarulhos e Brasília. As responsabilidades dos vencedores não serão poucas. Ao longo do período de concessão, terão de pagar, juntos, R$ 24,5 bilhões em outorgas, investir mais R$ 16 bilhões e criar uma nova cultural empresarial ao lado de uma empresa estatal que manterá participação de 49% das futuras concessionárias.

Se tais desafios não afugentaram investidores, os resultados esperados com a chegada do capital privado nos aeroportos poderiam animar gestores públicos que têm responsabilidades no setor de saneamento básico, uma espécie de "primo pobre" do setor de infraestrutura brasileiro e cujos problemas ultrapassam, de longe, aqueles vividos por quem precisa decolar e aterrissar.

O acesso aos serviços de saneamento básico é ruim ainda em pleno século XXI. Dos 190 milhões de brasileiros, 77 milhões não têm acesso adequado à coleta de esgoto e 31 milhões ainda estão sem abastecimento de água potável por rede básica.

A infraestrutura de saneamento básico é ruim porque os recursos aplicados no sistema são insuficientes. Em 2010, última estatística disponível, os investimentos nesta área em todo o Brasil atingiram, em preços atualizados, R$ 7,5 bilhões, contra R$ 3,9 bilhões em 2003. Apesar do crescimento vigoroso, o montante investido em água e esgoto em cada ano representou, no máximo, metade do valor mínimo anual para atingir a universalização do atendimento no longo prazo.

A infraestrutura deficiente e os investimentos aquém do adequado resultam em mazelas sociais. Os brasileiros mais pobres, sem renda para migrarem para regiões com mais infraestrutura, engrossam a fila de espera pelos serviços. Dados de 2009 mostram que pessoas residentes em casas cuja renda familiar somava até três salários mínimos representavam 66% do total de brasileiros sem coleta de esgoto adequada e 69% daqueles que ainda não dispunham de água potável encanada.

Mas desafio pode ser sinônimo de oportunidade. Nos últimos anos, na medida em que os investimentos cresceram, mesmo que ainda de forma insuficiente, houve redução na quantidade de brasileiros internados por causa de doenças causadas pela falta de condições adequadas de saneamento básico, apesar do aumento populacional. Entre 2002 e 2011, as internações caíram de 2.391 para 1.967 pessoas por dia. Entre as crianças com até 9 anos, a redução foi de 1.124 para 695 internações por dia.


Fica claro, portanto, que a curva de ampliação do investimento contribui para impulsionar a melhoria na qualidade de vida e desafogar o sistema de saúde pública. Adultos e crianças deixam de perder dias de trabalho e de aula. Já os gestores públicos economizam recursos em tratamento e aproveitam melhor os leitos hospitalares existentes.

O caminho para avançar e atingir a universalização em 15 anos requer R$ 20 bilhões em investimentos por ano - e este volume de recursos precisa realmente ser transformado em tubulações, estações de tratamento de água e de esgoto todos os anos. Para atingir tal objetivo, há três ações: aumentar os investimentos públicos, intensificar a inserção privada e melhorar os indicadores de produtividade das empresas de saneamento básico no Brasil. Sozinhos, nem o poder público nem o setor privado conseguirão superar tal desafio.

A ampliação da participação privada no saneamento básico, reflexo do que já ocorre em países desenvolvidos, depende principalmente de vontade política e de eficiência administrativa. Regras há, desde janeiro de 2007. Financiamento em bom montante há, disponível, na maior parte, em linhas de crédito nos bancos públicos e de fomento. Interesse do setor privado também existe. O mercado de capitais, inclusive, tem interesse em aportar recursos em empresas com boa saúde financeira e governança corporativa transparente e eficiente.

Da mesma forma, instituições e empresas públicas precisam intensificar um movimento já iniciado anos atrás: melhorar os indicadores de gestão e de produtividade para conseguirem mais recursos e, dessa forma, atenderem mais localidades com melhores serviços. Muitas empresas estaduais contabilizaram enormes ganhos operacionais e financeiros na medida em que passaram a fortalecer a gestão administrativa. Assim, tornam-se cada vez mais valiosas e robustas para investir, expandir o acesso e aprimorar a qualidade dos serviços.

O capital privado está presente em vários setores de infraestrutura, com diferentes níveis de intensidade e participação. Ao mesmo tempo em que libera os recursos públicos para serem aplicados em áreas essenciais como saúde, segurança e educação, os investidores têm contribuído para melhorar a qualidade e expandir o acesso e a capacidade de oferta em mercados como rodovias, ferrovias e portos, telecomunicações, geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, petróleo e gás natural.

Para o cidadão brasileiro, sobretudo o que está sem o acesso ao serviço, não faz nenhuma diferença se a conta de água e coleta de esgoto é emitida por uma empresa pública ou privada. Ele deseja que a prestação do serviço seja ininterrupta, com ótimo atendimento e preço justo e módico. Com a realização bem-sucedida de leilões no setor aeroportuário, o Brasil dá mais um passo para eliminar a falsa dicotomia entre investimento público e privado nos setores de infraestrutura. No saneamento básico, um dos mais carentes e necessitados de investimentos, o potencial é enorme.

Paulo Godoy é presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
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